domingo, 7 de junho de 2020

O UIVO DOS LOBOS









Acendo um cigarro enquanto observo o fogo…da lareira, do forno, o fogo em geral. Hipnotizado pelas chamas sou capaz de estar ali por alguns minutos sem pensar em nada. Como numa espécie de transe meditativo. Quando os lobos uivam ao longe a Natureza faz uma pausa e escuta.  Surpreende-se, arrepia-se, fica assustada. Ouve com atenção até terminar e depois volta aquilo que estava a fazer. Hoje em dia há vários uivos a voar sobre as montanhas, uns por cima dos outros, em competição para ver quem é mais assustador. Pequenas explosões transformam-se em fogos gigantescos incontroláveis de intolerância e ódio. De repente toda a gente se revolta, toda a gente tem uma razão para gritar, partir um vidro, pisar a opinião do outro. Uns manifestam-se contra o racismo, outros opinam sobre epidemias, outros ainda avisam que o inferno vem aí aos trambolhões para nos cair em cima. Só que sempre fomos racistas, ciclicamente fomos exterminados por doenças e o inferno cai-nos em cima da cabeça todos os dias. E tudo porque ainda não deixámos de ser ovelhas e obedecer a todas as instruções do pastor. O mesmo que nos dá o circo, e o futebol e a desgraça dos outros. O mesmo que nos diz onde e quando devemos manifestar a nossa indignação. O mesmo que nos vende a falsa roupagem de lobo  e nos diz quando nos quer pôr a uivar. O mesmo que ao fim do dia nos recolhe com a ajuda do cão e nos volta a trancar dentro da cerca. E assim se vão sucedendo os tempos como actos de uma mesma peça de teatro que nunca acaba. Tempos que se esmagam contra nós como ondas zangadas de espuma num paredão indiferente. Uns contra os outros…sempre uns contra os outros. Nunca com os outros em modo construtivo. Nunca numa direcção onde o somatório do bem estar de todos se alcança com o esforço de cada um. Não! Saqueemos as lojas daqueles que nos voltarão a cobrar a ousadia, vamos caíndo mortos às mãos da vaidade e da ganância de curas milagrosas, anunciemos as catástrofes todas que ainda estão para vir. E depois, muito mais contentes com a diversão permitida voltemos ao pasto, ao pastor, ao cão do pastor, ao fecho da cerca para dormitar no curral das ovelhas, para fazer exactamente tudo o que sempre fizémos no dia seguinte.
Acendo um cigarro e sinto-me farto. Sinto-me velho, cada vez mais farto. Do rebanho, do pastor, do cão, de tudo e de coisa nenhuma.
 Falta-me o fôlego, falta-me o tempo, falta-me a razão. Quando todos uivam acabo por fazer uma pausa. Primeiro surpreendo-me, às vezes arrepio-me, fico assustado. Depois regresso ao que estava a fazer. E dessa maneira a morte que nos pintam com traços de medo e afastamento…essa ideia que só chega no fim…esse desenlace que nos apavora não é mais do que uma encenação permanente onde o egoísmo e a ganância se juntam na dança que dançamos todos os dias.



Artur