quarta-feira, 30 de abril de 2008

MOMENTO DE ESCRITA AUTOMÁTICA

Enquanto não faço o que devo parece que devo o que faço num turbilhão de razões e consequências medidas no medo antecipado de falhar. Estendo a mão e tento não deixar nenhum dos meus caído para trás, por razão nenhuma, porque fariam o mesmo por mim, porque um lado meu assim me indica que se deve fazer. A arquitectura da cidade desfaz-se lentamente a um ritmo muito menor que o dos nossos corpos que se chocam, cruzam, insinuam e celebram acelerados a eternidade inexistente no ponto único da explosão prevista. As ruas acolhem-me em abraços de cimento inócuo, de ferro frio, de história indiferente. Pelas rachas dos prédios escapam gritos de tipos como eu que já por ali andaram, que por ali andam perdidos, vestidos de memórias. Ouço-os mas não consigo perceber o que dizem, o que querem, porque é que se mantêm naquelas paredes prisioneiros de algo desconhecido. Grito-lhes também com o olhar, como se tentasse ladrar a um cão na esperança que ele me entendesse. Os carros passam moldando formas de néon estendidas nas poças da chuva. Bate-lhes um vento leve que as empurra para voltar ao lugar inicial. Se ao menos me pudesses valer… se ao menos me explicasses em duas frases, dois gestos, uma breve troca de olhares qualquer coisa parecida como um porquê…
Se ao menos percebesse alguma coisa disto tudo, se um breve sentido conseguisse arrancar deste caos encenado que já não percebo se respeita as leis da matéria ou da ilusão, plantando imagens dentro de um Ser que serei eu…talvez. Se ao menos, uma vez que fosse. Se aquele filme, aquele andar de mulher, aquela brisa do mar, se as hesitações andassem às cambalhotas pela estrada da especulação e desse movimento resultasse uma resposta.
E respostas, certezas, sentidos, tragédias, para quê? Desculpas esfarrapadas para ocupar o buraco dos dias, o espaço vazio das dores e da ausência do prazer?
Se ao menos as palavras dissessem exactamente o que queremos dizer em vez de se moldarem à percepção de cada um, fazíamo-nos entender mas o mundo era uma coisa parada sem ritmo evolutivo, sem cor, sem vida. As palavras e os seus encantamentos, as imagens e as suas armadilhas, a caverna do Platão e a casota do Pluto, um puto, ranhoso e esfarrapado a tirar macacos do nariz, o verniz riscado que nunca brilhou na realidade que o queria reluzente. Diluente da existência ilusória, escapatória para outros males ou, quem sabe, para um melhor. Final em terra com emergência preparada, impacto profundo do focinho no fundo…do nada…
ARTUR

3 comentários:

Carlos Lopes disse...

Dass (como diz o red... Até estou exausto! Parecia que o teu texto era o cão que leva o dono (neste caso leitor) atrás da trela...

Artur Guilherme Carvalho disse...

Apeteceu-me brincar com as palavras...de forma automática.

José Ceitil disse...

Artur, se as palavras conseguirem aproximar o que queremos dizer do que queremos fazer temos mais possibilidades de perceber alguma coisa disto tudo...
Abraço