terça-feira, 22 de abril de 2008

ENTREFITAS E ENTRETELAS


O último livro de Pedro Bandeira Freire, publicado em 2007, pode ser-nos apresentado de várias maneiras, consoante a sensibilidade de cada um. Para uns trata-se de um “contar” de histórias com personagens reais, para outros o registo de memórias de um “velho lobo” e, para outros ainda, a sua carta testamentária, o registo biográfico de uma vida cheia e repleta de acontecimentos. Seja qual for o ângulo escolhido, o certo é que Pedro Bandeira Freire é um personagem incontornável da vida boémia e artística lisboeta dos anos 60, 70 e 80. Homem dos sete instrumentos, a sua faceta mais conhecida será no entanto a do fundador do cinema Quarteto, sala mítica que ajudou a formar várias gerações de cinéfilos.
Rebelde, inconformado, desorganizado, Pedro Bandeira Freire estabeleceu com a vida uma relação saudável, justa e equilibrada, que só os espíritos superiores conseguem. Do Colégio Militar até ao estatuto de avô (o livro é dedicado ao neto, “para que saiba o avô que tem”) o seu caminho é povoado de altos e baixos como em todos os casos, paixões, desamores, ódios e gargalhadas sempre em boa companhia do seu infatigável amigo “Jack Daniels”. A própria organização do livro “Entrefitas e Entretelas” obedece a regras muito próprias, ou seja, os episódios apresentam-se desordenadamente, havendo para cada um deles um título de um filme. E os filmes, esses sim, aparecem por ordem alfabética.
E assim, o passar das histórias vai-nos dando a conhecer um homem que conheceu o mundo, que aprendeu tudo o que tinha a aprender com a vida no CINEMA, que amou, bebeu, fez grandes amizades e que se preparava (na altura) para o descer do pano com uma tranquilidade lúcida e consciente. “Tudo acaba! Pois acaba! E daí..?”
Conhecer Bandeira Freire é revisitar alguém conhecido senão mesmo, revisitarmo-nos a nós próprios. Quando desde muito novos se tem consciência que nada disto faz grande sentido, poucos são os espaços que nos restam para pedir asilo, anestesia, qualquer coisa que finja que não é assim. Há o amor, claro que sim, e há depois a paixão da criação, a bebedeira, as drogas e todos eles são desvios, sinais de trânsito existencial que nos vão afastando desse certeza permanente que muitas vezes temos vontade de chamar mais cedo. Dependendo da força com que nos agarramos a esses desvios, o tempo passa e conseguimos chegar ao fim com estatuto de senhores, iguais aos outros que nunca fomos. Não por pedantismo nem muito menos por complexo de superioridade, apenas pelo azar de ter nascido com as antenas sintonizadas numa consciência diferente.
Pedro Bandeira Freire chegou ao fim como um senhor, igual aos outros. Sem amargura nem raiva, foi levando a vida gerindo quem era e o que ela lhe podia dar. E foi muito que ambos deram um ao outro. Ler “Entrefitas e Entretelas” é viajar por esse mundo de um homem que, sendo extraordinário e único, nunca se levou muito a sério. Um grande abraço, Pedro. Até sempre…
ARTUR

1 comentário:

Carlos Lopes disse...

Quem nunca se leva muito a sério é sempre um caso sério!
Abraço, Artur.