Vamos ficar aqui só um pouco, sem falar, a olhar para a
água. Vamos suspender o Tempo e respirar sem pressa, esquecer tudo o que nos
atormenta, vamos ficar aqui só um pouco, secos de palavras, a ouvir o murmúrio da
brisa a acariciar o mar. O enfermeiro está noutra parte do hospital envolvido
com outras tarefas. Só volta daqui a um bocado, quando o nosso tempo suspenso
terminar. Não tenhas medo. Dei-lhe uma nota para se fazer oculto e, com o olhar
dei-lhe a entender que, se se armasse em atrevido, dava-lhe um enxerto.
Ajuda-me a fumar isto para ajudar o Tempo a ficar parado como quando nos escondíamos
na casa de banho da escola no intervalo antes da última aula. Não tenhas medo,
não há razão nenhuma para ter medo. Nunca houve. Nós é que pintámos os cenários
todos do medo e da angústia sem perceber. Por isso é tão importante suspender o
tempo, pegar no medo e pendura-lo num varal de roupa para deixar de nos
atormentar. Se tudo vai dar ao mesmo, se tudo termina como eu e tu, o medo
nunca existiu. Eram criações nossas vestidas de solidão e mágoa que desfilavam
no palco da existência para nos distrair, afastar do essencial. O essencial que
somos nós e uma história, uma longa história escrita nas páginas dos dias. Por
isso vamos ficar aqui durante a tarde a observar a água e o vento que baila
nela. Pode ser que até reparem em nós e queiram conversar. Dizer-nos que não há
morte nem medo, apenas a eternidade. Ou continuar entretidos no seu bailado até
chegar a noite. Vamos suspender o tempo por um instante como se nada mais
houvesse além deste banco, além de nós, do vento e do mar. Não ligues o oxigénio
antes de eu apagar esta merda para não explodirmos apesar de algumas vezes ter
sido essa a nossa vontade. Fica. Deixa-te estar por aí mesmo quando já tiveres
ido embora e diz ao mar por onde andas para que eu te possa ouvir. Enquanto
puder vou voltar todas as semanas e vou sentar-me aqui a falar contigo, a fumar
um, a suspender o Tempo. Enquanto me lembrar vou ficar aqui ao fim da tarde a
ouvir o barulho do vento a acariciar a água. Até ser a minha vez de mandar o
medo ficar oculto, dar-lhe uma nota e prometer-lhe um enxerto se ele não
cumprir a sua parte.
Vamos ficar só um pouco por aqui e suspender o tempo
recordando que houve uma história de que eu e tu fizemos parte. Uma história
que qualquer dia será pouco mais que nada. A história de dois amigos que não
tiveram medo. A história única de dois seres que só um banco, o vento e o mar
conseguirão contar, porque só eles são capazes de suspender o Tempo antes da
noite chegar.
Artur
Foto de Luis Pereira
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