Dois pássaros numa árvore enquanto a tarde termina e o frio
ganha espaço para ocupar a noite escura. Dois pássaros a sondarem espaços
escondidos, minhocas distraídas, um buraco onde se possam abrigar. Dois
pássaros, uma árvore e um tempo único parado no instante de um breve universo.
Verificam-se planos de voo intervalados por pios sinalizadores da rota a seguir.
Evocam-se memórias do ninho, do tempo em que tudo se resumia a esperar. Esperar
pelo Sol, esperar pela comida, esperar pelo primeiro dia da saída para a aprendizagem
do voo e o salto para outro mundo. Dois pássaros e uma árvore num instante
breve ao fim da tarde. E no entanto, apesar do frio, apesar da fome, apesar da
incerteza…cantam…ou piam. Cantam como quem domina uma linguagem, um tipo de
comunicação que liga dimensões, universos distantes. Cantam ao fim da tarde
empoleirados em galhos frágeis de árvores embalados pelo vento. Cantam num instante
perdido no tempo antes que a noite caia implacável e escura e o voo nocturno se
torne uma barreira muito mais árdua quase impossível. Cantam enquanto procuram
sobreviver, esconder-se por umas horas antes de nascer o dia e voltar a fazer
tudo outra vez. Cantam porque estão vivos na sua teimosia em continuar. Cantam
enquanto puderem antes que uma rajada de vento ou um vírus ou um gato mais expedito
lhes vier acabar a cantoria.
Dois pássaros numa árvore enquanto o dia vai chegando ao fim
capturados pelo instante que é uma vida inteira. Cantam juntando as pontas de
vários mundos, cantam para sinalizar a rota seguinte do seu voo. Cantam porque
estão vivos e celebram a vida no instante único em que pousam no galho de uma
árvore embalado pelo vento. Cantam…simplesmente.
Artur
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