sábado, 4 de fevereiro de 2023

TEMPOS SUSPENSOS (DOIS PÁSSAROS E UMA ÁRVORE)


 


Dois pássaros numa árvore enquanto a tarde termina e o frio ganha espaço para ocupar a noite escura. Dois pássaros a sondarem espaços escondidos, minhocas distraídas, um buraco onde se possam abrigar. Dois pássaros, uma árvore e um tempo único parado no instante de um breve universo. Verificam-se planos de voo intervalados por pios sinalizadores da rota a seguir. Evocam-se memórias do ninho, do tempo em que tudo se resumia a esperar. Esperar pelo Sol, esperar pela comida, esperar pelo primeiro dia da saída para a aprendizagem do voo e o salto para outro mundo. Dois pássaros e uma árvore num instante breve ao fim da tarde. E no entanto, apesar do frio, apesar da fome, apesar da incerteza…cantam…ou piam. Cantam como quem domina uma linguagem, um tipo de comunicação que liga dimensões, universos distantes. Cantam ao fim da tarde empoleirados em galhos frágeis de árvores embalados pelo vento. Cantam num instante perdido no tempo antes que a noite caia implacável e escura e o voo nocturno se torne uma barreira muito mais árdua quase impossível. Cantam enquanto procuram sobreviver, esconder-se por umas horas antes de nascer o dia e voltar a fazer tudo outra vez. Cantam porque estão vivos na sua teimosia em continuar. Cantam enquanto puderem antes que uma rajada de vento ou um vírus ou um gato mais expedito lhes vier acabar a cantoria.

Dois pássaros numa árvore enquanto o dia vai chegando ao fim capturados pelo instante que é uma vida inteira. Cantam juntando as pontas de vários mundos, cantam para sinalizar a rota seguinte do seu voo. Cantam porque estão vivos e celebram a vida no instante único em que pousam no galho de uma árvore embalado pelo vento. Cantam…simplesmente.

 

Artur


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