Ettore Scola
Itália/Canadá 1977
Comecemos pelo princípio. Um
plano inteiro com movimento de grua que se move em ascensão pelas traseiras de
um espaço urbano composto de vários prédios e que entra para uma janela onda
vamos encontrar a protagonista a executar as suas tarefas domésticas. Um
movimento de câmara bastante raro ainda hoje estudado em muitas escolas de
cinema. Um rádio aos berros que inunda o espaço vazio de pessoas através do
qual vamos percebendo tudo o que se vai passando naquele dia 8 de Maio de 1938
em Roma. Todos estão presentes na parada e cerimónias que celebram a visita de
Hitler a Itália. Nem todos. Antonietta fica em casa a tratar das suas tarefas
domésticas enquanto o seu marido, um funcionário público da Itália fascista se
deslocou até às comemorações com os seus seis filhos. Gabriele, um locutor de
rádio demitido aguarda a sua deportação para a Sardenha. Nem marido, nem pai,
nem soldado, nem sequer fascista, o locutor é homossexual, bilhete garantido
para a exclusão de um regime totalitário embriagado com os ventos de guerra que
começam a soprar. O encontro entre estes dois vizinhos, sendo muito mais do que
a soma de dois corações solitários acaba por se revelar a dissecação de uma
ideologia através de um hino à ternura e ao humor.
Antonietta sente-se frustrada e
sozinha num mundo onde se limita a cumprir as suas funções de mulher-a-dias da
sua casa e parideira. Apesar de já ser mãe de seis filhos o seu marido quer ser
pai outra vez e com isso beneficiar do apoio e incentivo à natalidade dado pelo
regime. Infiel e bronco transforma a vida da mulher num vazio imenso,
impossível de preencher ou de deixar encontrar um espaço mínimo de realização e
felicidade. Gabriele por seu lado, a primeira vez que é filmado no seu
escritório, tem uma arma em cima da secretária sugerindo a ideia de suicídio.
Os dois conversam, trocam histórias, dançam a rumba. Sendo considerado um dos
mais belos filmes da história do Cinema, tudo em UNA GIORNATA PARTICOLARE é
improvável e surpreendente desde o percurso de cada um dos personagens até ao
desempenho dos actores. De facto, dois dos ícones e sex symbols da sua geração,
o casal mais adorado do cinema de então envolvem-se numa interpretação sublime
e natural de duas figuras simples e tristes que vivem uma tarde de excepção
contra todas as possibilidades. Ignorando a homossexualidade do vizinho
Antonietta expõe o seu charme, a sua vontade, o seu desejo de se sentir viva
nem que seja por uma vez. Eventualmente o casal acaba por se envolver
emocionalmente. Mas tudo é tão subtil e belo ao mesmo tempo que por instantes o
que vemos é dois seres vítimas do sofrimento e da solidão que acabam por se
consolar mutuamente. Enquanto a cidade inteira comemora a tirania e a
autoridade e o rádio aos berros nos vai dando conta disso. E é esta fantástica
história de subversão e simplicidade que acaba por se tornar um contraponto de
bom senso num dia de bebedeira colectiva. Ao fim do dia Antonietta vê pela
janela o seu vizinho deixar o prédio escoltado por dois polícias. Lá dentro já
deitado está o seu marido que a chama para tratarem de fabricar o seu sétimo
filho. Assim termina “um dia inesquecível”…
Artur
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