sábado, 18 de junho de 2016

PÉROLAS DE SCOLA

UNA GIORNATA PARTICOLARE / UM DIA  INESQUECÍVEL

Ettore Scola

Itália/Canadá 1977



Comecemos pelo princípio. Um plano inteiro com movimento de grua que se move em ascensão pelas traseiras de um espaço urbano composto de vários prédios e que entra para uma janela onda vamos encontrar a protagonista a executar as suas tarefas domésticas. Um movimento de câmara bastante raro ainda hoje estudado em muitas escolas de cinema. Um rádio aos berros que inunda o espaço vazio de pessoas através do qual vamos percebendo tudo o que se vai passando naquele dia 8 de Maio de 1938 em Roma. Todos estão presentes na parada e cerimónias que celebram a visita de Hitler a Itália. Nem todos. Antonietta fica em casa a tratar das suas tarefas domésticas enquanto o seu marido, um funcionário público da Itália fascista se deslocou até às comemorações com os seus seis filhos. Gabriele, um locutor de rádio demitido aguarda a sua deportação para a Sardenha. Nem marido, nem pai, nem soldado, nem sequer fascista, o locutor é homossexual, bilhete garantido para a exclusão de um regime totalitário embriagado com os ventos de guerra que começam a soprar. O encontro entre estes dois vizinhos, sendo muito mais do que a soma de dois corações solitários acaba por se revelar a dissecação de uma ideologia através de um hino à ternura e ao humor.


Antonietta sente-se frustrada e sozinha num mundo onde se limita a cumprir as suas funções de mulher-a-dias da sua casa e parideira. Apesar de já ser mãe de seis filhos o seu marido quer ser pai outra vez e com isso beneficiar do apoio e incentivo à natalidade dado pelo regime. Infiel e bronco transforma a vida da mulher num vazio imenso, impossível de preencher ou de deixar encontrar um espaço mínimo de realização e felicidade. Gabriele por seu lado, a primeira vez que é filmado no seu escritório, tem uma arma em cima da secretária sugerindo a ideia de suicídio. Os dois conversam, trocam histórias, dançam a rumba. Sendo considerado um dos mais belos filmes da história do Cinema, tudo em UNA GIORNATA PARTICOLARE é improvável e surpreendente desde o percurso de cada um dos personagens até ao desempenho dos actores. De facto, dois dos ícones e sex symbols da sua geração, o casal mais adorado do cinema de então envolvem-se numa interpretação sublime e natural de duas figuras simples e tristes que vivem uma tarde de excepção contra todas as possibilidades. Ignorando a homossexualidade do vizinho Antonietta expõe o seu charme, a sua vontade, o seu desejo de se sentir viva nem que seja por uma vez. Eventualmente o casal acaba por se envolver emocionalmente. Mas tudo é tão subtil e belo ao mesmo tempo que por instantes o que vemos é dois seres vítimas do sofrimento e da solidão que acabam por se consolar mutuamente. Enquanto a cidade inteira comemora a tirania e a autoridade e o rádio aos berros nos vai dando conta disso. E é esta fantástica história de subversão e simplicidade que acaba por se tornar um contraponto de bom senso num dia de bebedeira colectiva. Ao fim do dia Antonietta vê pela janela o seu vizinho deixar o prédio escoltado por dois polícias. Lá dentro já deitado está o seu marido que a chama para tratarem de fabricar o seu sétimo filho. Assim termina “um dia inesquecível”…

Artur

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