LA NUIT DE VARENNES/ A NOITE DE VARENNES
Ettore Scola
França/ Itália 1982
A 20 de Junho de 1789 uma
carruagem com a família real tenta a sua fuga de Paris que arde sob o fogo da
Revolução. Dias mais tarde o rei Luís XVI e a rainha Maria Antonieta acabam por
ser capturados na povoação de Varennes, precipitando uma trágica série de
acontecimentos reforçada pela desconfiança e pelo ódio à monarquia. A acção do
filme, que não acompanha em directo as várias peripécias desta fuga atribulada,
centra-se numa segunda carruagem algumas horas atrasada em relação à primeira,
onde viaja um grupo extremamente improvável de personagens, cada um com o seu
destino e motivação diferentes. Uma condessa austríaca que tinha sido aia da
rainha (Hanna Schygulla), o filósofo e escritor libertino Restif de la Bretonne
(Jean Louis Barrault), o revolucionário americano Thomas Paine (Harvey Keitel),
um Casanova em plena velhice (Marcelo Mastroianni), uma viúva a caminho da sua
propriedade (Laura Betti), um juiz e uma cantora de ópera (Andrea Ferrol).
Baseado no romance de Catherine
Rihoit ( “La Nuit de Varennes oú
l’impossible n’est pas Français”)
o filme tem a particularidade de desenvolver a análise histórica de forma
indirecta através dos diálogos entre personagens de ficção sem que isso
prejudique o rigor ou sequer a verosimilhança dos factos. Naquela carruagem um
passo atrás dos acontecimentos os conceitos de “vida”, “mudança”, medo” e
“solidão” vão sendo debatidos e avaliados através de várias perspectivas quer
sociais quer etárias. Através da avaliação dos tempos de mudança e incerteza em
que se encontram mergulhados fala-se de política e de Filosofia. Neste
autêntico road movie de
reconstituição histórica confrontam-se os tempos modernos com os antigos e
descreve-se o esboço de uma nova ideologia principalmente através das
intervenções de Paine ou de Restif. A ordem antiga é defendida pela condessa
austríaca. Numa coisa parecem estar todos de acordo. “A idiotice é a pior das
traições e não há nenhuma revolução que consiga acabar com ela”. Percebe-se que
a revolução é uma consequência directa do sofrimento da população em geral. Mas
também é evidente que os filhos dessa revolução, ao destruírem os valores da
ordem antiga não têm a mínima ideia acerca daquilo que vão construir no seu
lugar. Fica aberta a porta para um tempo de vazio e incerteza. A discussão
acesa entre o jovem estudante que insulta abertamente o decrépito Casanova faz
antever o resvalar da revolução para a brutalidade e a violência gratuita, para
o regime de terror que se irá seguir.
Mas os tempos mudam sempre como o
cenário de um palco e o que se mantém somos nós os seres humanos essa espécie
construtora de todas as ordens antigas e modernas. A vida acabará por continuar
de uma forma ou de outra e o que nos distingue será a forma como respeitamos e
vivemos com os nossos valores. Se por um lado a atracção da condessa pelo
revolucionário americano se vai reforçando nem por isso as suas ideias são alvo
de cedência. Perto do fim do filme vemos uma cena em que a condessa veste um
manequim com um manto do rei que tinha trazido de Paris e, de seguida, rende a
sua homenagem ajoelhando-se na sua frente.
Sendo um filme de reconstituição
histórica LA NUIT DE VARENNES é também uma lição de vida que nos relembra o
modo como tudo é tão efémero e de como somos muito mais iguais do que alguma
vez poderíamos imaginar em tempos de normalidade. Respiramos o mesmo ar, temos
o mesmo medo, sonhamos os mesmos sonhos. E tudo é tão frágil que pouco ou nada
vale se não nos soubermos colocar nesta
trágica comédia onde a História, o Medo, o Amor, a Vida e a Morte
brincam com as nossas existências sem dó nem piedade. Um grande filme,
portanto.
Artur
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