BRUTTI, SPORCHI I CATTIVI/ FEIOS,
PORCOS E MAUS
Ettore Scola
Itália, 1976
Estamos na década de 70 do século
passado num bairro de barracas da periferia de Roma. Através de um lento e
englobante plano-sequência vamos sendo apresentados aos vários elementos do clã
Mazzatela à medida que se levantam para um novo dia. Uma jovem adolescente sai para a rua com uns recipientes na mão para ir buscar água. Saltita na
inocência dos seus 12/13 anos enquanto caminha por um cenário de porcaria,
feito de habitações precárias, poças de água e caos urbano em geral.Mais tarde
voltaremos a vê-la a recolher as crianças do bairro para um “infantário”
improvisado feito de uma cerca de arame semelhante a um galinheiro gigante.
Giacinto é o patriarca desta agremiação vagamente familiar composta por gente
que trabalha nem sempre nas mais nobres actividades. Por ter queimado um olho
com cal viva recebeu uma indemnização de um milhão de liras do seguro que
esconde avidamente. Um milhão que o resto da família cobiça urdindo toda a
espécie de malfeitorias para se conseguir apropriar dele.
Esta é em síntese a intriga
básica de (na minha opinião) uma das mais belas e mais brutais obras-primas da
história do Cinema por ser pouco comum na abordagem, cruel na descrição e impiedosa na análise.
O filme acompanha um grupo de
marginais em geral que enquanto tenta sobreviver tudo faz para ocupar ou destruir o espaço alheio. O dia da pensão da avó é o dia de festa dos netos que
rapidamente dividem o dinheiro à porta dos serviços na presença de uma anciã demente
que passa os dias em frente à televisão. O dinheiro ocupa o lugar do filtro
maior ou, se calhar, do filtro absoluto em que se desenvolvem as suas
existências. Não há espaço para identidade, dignidade ou sequer consciência
porque isso seria perder tempo, ficar para trás, deixar de ser ou de estar
vivo. As análises filosóficas ou sequer sociológicas ficam na gaveta deixando à
vista o osso duro da condição humana que encarna o “espírito do tempo” onde
tudo é dinheiro, vantagem, sobrevivência pura e dura. Nada que não seja feito
no resto da sociedade pelas outras camadas só que essas têm tempo para
construir álibis, desenhar teorias, elaborar justificações. Neste bairro de
barracas onde se avista ao longe a cúpula da Basílica de S. Pedro no Vaticano
não há espaço para a piedade, o sentimento ou o sonho.
E sendo uma tragédia do princípio
ao fim, ao exibir a condição humana na sua forma mais animalesca não
conseguimos deixar de rir. Não conseguimos desenhar a fronteira entre o drama e
a comédia, elementos indivisos do nosso comportamento, equilíbrio instável sem
o qual não seria possível suportar o fardo da nossa condição. Os pobres vão
morrer pobres e não são nenhuma espécie de heróis por causa disso, não acolhem
consciência política, não alimentam qualquer tipo de esperança em relação ao
futuro. Nasceram condenados àquela condição que os empurrou para a
sobrevivência a qualquer preço, para a bestialidade e para todas as categorias
dos mais primários instintos animalescos que nos assistem. Alegoria destas últimas considerações poderia
ser a extraordinária cena em que Giacinto, percebendo ter sido alvo de
envenenamento corre para o mar e injecta água salgada pela boca abaixo
auxiliado pela bomba de uma bicicleta para poder vomitar. Em O MILAGRE DE MILÃO
(De Sicca) os pobres encontram a sua libertação através da morte, em VIRIDIANA
(Luís Buñuel) ao ser oferecida hospitalidade numa casa senhorial campestre a um
grupo de vagabundos, a primeira coisa que se lembram de fazer no dia em que
estão sozinhos é dar uma festa e destruir a casa toda. Em FEIOS PORCOS E MAUS a
brutalidade e o grotesco das relações humanas explode em cada gesto embalada
pela condenação da miséria.
No fim ao nascer de mais um dia,
a jovem adolescente que no princípio acompanhámos com os baldes a caminho da
água retoma a sua rotina diária. Saltita enquanto caminha mas quando a câmara a
deixa ver de corpo inteiro reparamos que está grávida.
Tragédia hiper relista, crueldade
acutilante, grotesco permanente, hilaridade, tristeza, e até ternura são as
componentes constantes deste colosso da condição humana. Sem respostas rápidas
nem soluções fáceis e muito menos teorias reconfortantes. Uma sociedade
bestificada sem identidade nem compaixão só poderá produzir bestas que não
sabem quem são ocupadas apenas em destruir o que não lhes pertence.
Se lhes forem dadas as condições
ideais o ser humano é capaz do melhor e do pior.
Ficamos à espera de saber o que
seria se existissem as ferramentas para fazer o melhor.
Um colosso que deveria ser visto
por todos.
Artur
Sem comentários:
Enviar um comentário