CHE STRANO CHIAMARSE FEDERICO /
QUE ESTRANHO CHAMAR-SE FEDERICO
Ettore Scola
Itália, 2013
Para falarmos sobre um filme que
é essencialmente um manifesto de ternura poderíamos começar com uma imagem de
ternura. Uma imagem onde um miúdo de nove anos de idade descreve em voz alta a
interpretação de uns desenhos satíricos da autoria de Federico Fellini a um avô
cego. Dez anos depois de GENTE DI ROMA, contrariando todas as possibilidades,
Scola decide homenagear o seu amigo Fellini vinte anos depois da sua morte.
Para isso recorre ao seu depósito de memórias desde o momento em que chega a
Roma, o seu primeiro trabalho como caricaturista e o encontro com Federico na
redacção do jornal humorístico Marc’
Aurellio. Nessa altura já Fellini dava os seus primeiros passos no capítulo
da realização. Scola, onze anos mais novo, só mais tarde entrará na indústria
na qualidade de argumentista. E é este tempo de amizade e profunda admiração
que resulta numa deambulação a um tempo nostálgica e estética ao núcleo de uma
obra imensa de um dos maiores criadores cinematográficos de sempre.
Tal como ao longo de toda a sua
obra, Scola nunca se cansou de nos surpreender, encontrando sempre novas
fórmulas para apresentar as suas propostas. Neste caso, estando muito longe de
qualquer referência testamentária, de qualquer intenção de nos dar uma lição, o
que Scola nos deixa é a homenagem a um Mestre que o marcou definitivamente nos
mais tenros anos da sua aprendizagem. Uma homenagem à obra, à arte e à
personalidade de um génio. E, mesmo não sendo próximos da obra de Fellini,
qualquer um se consegue apaixonar rapidamente pelo seu trabalho. Este é talvez
o maior encanto do filme.
Escrito em parceria com as suas
duas filhas Paola e Sílvia, o filme vai levar-nos a uma visita guiada ao prazer
partilhado dos desenhos, de fazer filmes e aos amigos em comum (Mastroianni,
Ruggero Maccari, Emio Flaiano, Scarpelli, todos eles referências na história do
cinema italiano seja como actores, seja como realizadores ou argumentistas).
Estacionando no mítico estúdio 5 da Cinnecittá, onde Fellini rodou a maior
parte dos seus filmes nas décadas de 60 e 70 faz-se uma reconstrução de alguns
cenários à medida que somos introduzidos ao processo criativo do artista.
Misturados com extractos dos próprios filmes de Fellini há uma dimensão
documental a complementar a fantasia ou, melhor dito, o processo de criar
fantasias.
Por outro lado as noites sem fim
deambulando por Roma no Lincoln de Fellini que sofria de insónias. A mania de
dar boleia a quem encontrassem para ouvir a sua história e daí partir para a
construção de uma personagem ou de um novo argumento.
Recordando o amigo, exibindo a
admiração sem limites pelo génio, com uma narrativa fluida e funcional, CHE
STRANO CHIAMARSE FEDERICO acaba por ser um caderno de apontamentos partilhado
com o público onde a única intimidade que ficamos a conhecer é a do criador com
a construção da obra, a do génio com o empenho em tornar a vida por momentos
mais colorida e suportável, a do deslumbramento inesgotável do Ser pelas
possibilidades encontradas de fabricação da fantasia.
Obrigado aos dois…
Artur