O Verão entrava em velocidade de cruzeiro e o calor apertava
sem piedade. Num vale esquecido do interior norte (como em quase todas as
povoações no mês de Agosto) celebrava-se a festa da terra ou do santo
padroeiro, ou de outra coisa qualquer. O importante naquela época do ano era
celebrar, aproveitar o regresso temporário dos emigrantes, o ar livre, os comes
e bebes, enfim, julgo que já perceberam a ideia…
A banda cumpria o calendário estabelecido pelo empresário em
finais de Maio. E, se nalguns locais a magia era enorme e as noites
inesquecíveis, noutros era apenas uma data sem memória, uma hora de música
tocada pela banda em circuito fechado e um bando de basbaques a olhar para nós
e a tentar perceber o que se passava no palco. Mas naquela tarde não foi assim.
Aliás essa foi a actuação que marcou para sempre a memória da digressão daquele
ano.
Avancemos…
Devia ser por volta das cinco, cinco e meia da tarde que o
mestre de cerimónias nos apresentou. De manhã tinha havido procissão com o
andor do santo da terra seguido de missa, almoço, romaria, foguetes. Comera-se
bem e bebera-se ainda melhor. Depois de tanta cerimónia, tanto foguetório e tanta
comezaina, um breve concerto de Rock talvez não fosse o remate adequado para
aquele dia. Havia pessoal a cantar sozinho, um ou outro dormia debaixo da tenda
da quermesse com os pés de fora, enfim, o cenário estava muito mais virado para
o fim de uma dura batalha do que para musica e cantorias. Daí que, a
assistência fosse muito limitada, não mais do que dez, quinze pessoas. Olhámos
uns para os outros, encolhemos os ombros e arrancámos. Havia um contrato para
cumprir e uma digressão para executar. E fomos. No fim da primeira canção
recebemos uns aplausos esparsos de boa vontade porque afinal “os rapazes
estavam ali a trabalhar”… A meio da segunda canção começamos a perceber que a
atenção da assistência mudava de direcção. De vez em quando olhavam para o lado
direito e esqueciam-se completamente do palco. Ainda pensei que estávamos a
tocar mal mas rapidamente percebi que não era o caso. As anteparas laterias não
nos deixavam ver o que se passava, só conseguíamos ver à nossa frente. Começámos
a perceber que naquele dia não nos conseguiríamos entender. Era abreviar e
despachar para voltar à estrada a caminho de outra terra na esperança de
audiências mais colaborantes. Até que , a meio do terceiro tema que estávamos a
tocar, as pessoas arrancam e vão-se embora na direcção para onde estavam a
olhar anteriormente. Não ficou ninguém. Um a um fomos silenciando os
instrumentos. Viémos à boca do palco e espreitámos. Finalmente a solução do
mistério. Quatro ou cinco bêbados à porrada entre eles e a multidão a observar
entusiasmada. Mistério resolvido. Sentámo-nos na beira do palco e ficámos por
ali a observar também, concluído que estava mais um dia de trabalho. Pouco
depois chegou o jipe da guarda com dois elementos. O condutor, assim que saiu
torceu um pé e já não conseguiu andar mais. O outro ajudou-o a sentar-se na
parte de trás da viatura com a perna estendida. Passou por nós,
cumprimentou-nos e dirigiu-se até ao foco da ocorrência. Com as mãos nas ancas
olhou para uma lado e para o outro, avaliando a situação. Depois dirigiu-se a
uma das barracas da feira e pegou num poste comprido que estava perdido no
chão. Voltou ao local e com o poste foi empurrando o grupo para um lado e para
o outro até os conseguir juntar. Quando estavam todos ao alcance do comprimento
do poste empurrou-os devagarinho para fora do recinto na direcção de um curral
vazio. Com muita perícia e muito jeitinho conseguiu meter o grupo todo dentro
do curral. De seguida rodou a cancela e trancou-a com uma argola metálica.
Sacudiu as mãos, voltou a passar em frente ao palco e concluiu :
Podem continuar o espectáculo…
(Esta história é verdadeira e foi-me contada há muitos anos por um amigo, músico profissional)
Artur
Sem comentários:
Enviar um comentário