quarta-feira, 2 de agosto de 2023

ROCK NUMA TARDE DE VERÃO

 

 

O Verão entrava em velocidade de cruzeiro e o calor apertava sem piedade. Num vale esquecido do interior norte (como em quase todas as povoações no mês de Agosto) celebrava-se a festa da terra ou do santo padroeiro, ou de outra coisa qualquer. O importante naquela época do ano era celebrar, aproveitar o regresso temporário dos emigrantes, o ar livre, os comes e bebes, enfim, julgo que já perceberam a ideia…

A banda cumpria o calendário estabelecido pelo empresário em finais de Maio. E, se nalguns locais a magia era enorme e as noites inesquecíveis, noutros era apenas uma data sem memória, uma hora de música tocada pela banda em circuito fechado e um bando de basbaques a olhar para nós e a tentar perceber o que se passava no palco. Mas naquela tarde não foi assim. Aliás essa foi a actuação que marcou para sempre a memória da digressão daquele ano.

Avancemos…

Devia ser por volta das cinco, cinco e meia da tarde que o mestre de cerimónias nos apresentou. De manhã tinha havido procissão com o andor do santo da terra seguido de missa, almoço, romaria, foguetes. Comera-se bem e bebera-se ainda melhor. Depois de tanta cerimónia, tanto foguetório e tanta comezaina, um breve concerto de Rock talvez não fosse o remate adequado para aquele dia. Havia pessoal a cantar sozinho, um ou outro dormia debaixo da tenda da quermesse com os pés de fora, enfim, o cenário estava muito mais virado para o fim de uma dura batalha do que para musica e cantorias. Daí que, a assistência fosse muito limitada, não mais do que dez, quinze pessoas. Olhámos uns para os outros, encolhemos os ombros e arrancámos. Havia um contrato para cumprir e uma digressão para executar. E fomos. No fim da primeira canção recebemos uns aplausos esparsos de boa vontade porque afinal “os rapazes estavam ali a trabalhar”… A meio da segunda canção começamos a perceber que a atenção da assistência mudava de direcção. De vez em quando olhavam para o lado direito e esqueciam-se completamente do palco. Ainda pensei que estávamos a tocar mal mas rapidamente percebi que não era o caso. As anteparas laterias não nos deixavam ver o que se passava, só conseguíamos ver à nossa frente. Começámos a perceber que naquele dia não nos conseguiríamos entender. Era abreviar e despachar para voltar à estrada a caminho de outra terra na esperança de audiências mais colaborantes. Até que , a meio do terceiro tema que estávamos a tocar, as pessoas arrancam e vão-se embora na direcção para onde estavam a olhar anteriormente. Não ficou ninguém. Um a um fomos silenciando os instrumentos. Viémos à boca do palco e espreitámos. Finalmente a solução do mistério. Quatro ou cinco bêbados à porrada entre eles e a multidão a observar entusiasmada. Mistério resolvido. Sentámo-nos na beira do palco e ficámos por ali a observar também, concluído que estava mais um dia de trabalho. Pouco depois chegou o jipe da guarda com dois elementos. O condutor, assim que saiu torceu um pé e já não conseguiu andar mais. O outro ajudou-o a sentar-se na parte de trás da viatura com a perna estendida. Passou por nós, cumprimentou-nos e dirigiu-se até ao foco da ocorrência. Com as mãos nas ancas olhou para uma lado e para o outro, avaliando a situação. Depois dirigiu-se a uma das barracas da feira e pegou num poste comprido que estava perdido no chão. Voltou ao local e com o poste foi empurrando o grupo para um lado e para o outro até os conseguir juntar. Quando estavam todos ao alcance do comprimento do poste empurrou-os devagarinho para fora do recinto na direcção de um curral vazio. Com muita perícia e muito jeitinho conseguiu meter o grupo todo dentro do curral. De seguida rodou a cancela e trancou-a com uma argola metálica. Sacudiu as mãos, voltou a passar em frente ao palco e concluiu :

Podem continuar o espectáculo…


(Esta história é verdadeira e foi-me contada há muitos anos por um amigo, músico profissional)


Artur

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