Amanheço devagar com o sol a esgueirar-se pelo primeiro risco das persianas. Não fechei a guilhotina da janela nem à noite nem às estrelas, deixei que elas entrassem às fatias, perfumadas de folhas orvalhadas, pedras húmidas e tintas adormecidas.
Trémula como uma borboleta a pairar sobre o verde redondo dum campo de capuchinhas acordo lentamente.
Nesta casa de pedras negras, chãos de madeira corrida, janelas de pintura estalada como pétalas brancas de esmalte à solta, mesas e cadeiras usadas por gerações de poeira, neste lugar onde não há solidão, nem somos desconhecidos na multidão, empilho seixos para mim e para ti, até sermos o pó que paira e assenta, o que sobra de nós, o resumo dos sós. Lá fora no jardim, as sementes que plantamos já são árvores da nossa idade, com galhos cosidos ao verde verão. A terra dos joelhos que antes era chão é agora erva alta, muito acima deles, os sulcos dos troncos já são tantos como os destas peles, vincados, de choros e sorrisos. Sobre eles trepamos ao lugar mais alto para ver o mundo cá de cima. Como arribas humanas com sonhos de pássaros e metas de horizonte sem fim.
Elsa Bettencourt
2 comentários:
Que texto inspirador e inspirado. Lindo! Obrigada.
Lindíssimo
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