No tempo da escola Primária, comecei por fazer ginástica no C.A.C.O. com o teu irmão Vasco, o Mina, mais tarde o "Minão" por distinção hierárquica de teu irmão mais velho, sendo tu o "Mininha", o mais novo. Naquela fase da vida as diferenças de idades afastam-nos muito uns dos outros dada a pressão do "expediente", as fases de aprendizagem, etc. Nessa altura o "Mininha" era o irmão mais novo do Vasco, um puto tranquilo a quem cumprimentávamos na rua. Havia três anos de diferença…uma distância abismal. A vossa casa cor de rosa que acompanhava a curva na estrada de Sintra antes da ponte e da entrada em Colares era uma referência para os nossos passeios de mota. Se te querias referir a determinada localização era frequente usar a expressão "antes da casa dos Minas" ou "depois da casa dos Minas". Não tendo crescido juntos sabíamos da existência uns dos outros, dizíamos "olá" quando no encontrávamos no bairro ou nos cafés da Praia das Maçãs no Verão. O Arnaldo morava no mesmo prédio que vocês. Mais tarde correu rápida a notícia que marcou o teu percurso adolescente. Alguém soube que o "Mininha "tinha fugido de casa, ninguém sabia dele. Sabia-se que tinha levado uns livros do Camus e umas cassetes dos Doors. Como numa canção do Tê e do Rui Veloso escrita muitos anos depois para o album "Mingos e os Samurais". Tu como muitas outras criaturas do bairro tinhas também esse dom amaldiçoado de ver e ser muito antes de qualquer um. Só que aos do bairro ninguém liga… A GNR acabou por te encontrar a dormir numa praia e "devolver à procedência", mas para nós, a partir dali o "Mininha" tinha conquistado o seu lugar na galeria dos notáveis da época. Mais tarde volto a encontrar-te na mesma empresa onde ambos trabalhámos uma vida e a partir daí tivémos um relacionamento regular que muito prezo.
Estou a tentar colar bocados do Tempo num misto de tristeza e alegria como quem revê um filme sabendo de cor cada deixa dos actores, cada localização do cenário exterior. Uma força empurra-me as mãos sobre o teclado, outra puxa-me a cadeira e diz-me para me ir deitar porque as palavras não chegam, as recordações não chegam, nada chega quando acordamos de manhã a ler a notícia da tua morte, nada chega quando ouço o Renato do outro lado do telefone a disfarçar as lágrimas. Nada chega. A Vida veste-nos com um casaco de mangas compridas, as calças ficam muito acima do chão, o colarinho da camisa sufoca-nos. Às vezes somos demasiado grandes para uma vida só, temos espaço a mais para o espaço que podemos percorrer, sobra-nos mundo dentro dos limites da existência, às vezes sobramos dentro de nós. E tu eras assim…demasiado Ser para uma vida só, demasiada lucidez para tanta cegueira. E em vez de rei eras um príncipe como te chamou o Janjan, o nosso Principezinho, frágil e corajoso, habitante único do teu planeta, curioso e exigente, lúcido e consciente dos outros e do mundo. Demasiado consciente…
Contigo a trabalhar no Porto só nos víamos muito raramente. Para mim era como se te tivesses tornado num verdadeiro mestre da fuga, um tipo que de vez em quando se põe a andar como quando eras adolescente para o planeta onde só tu moravas, mas que acaba sempre por voltar. E era como se nada se passasse…ou tivesse passado. A mesma gargalhada, o mesmo humor refinado, a mesma inteligência e lucidez a olhar o mundo, o mesmo olhar meigo e duro de quem exige sempre o máximo de si próprio. Desta vez não vais regressar. Mas regressaremos nós um dia para continuar as nossas conversas.
Artur
4 comentários:
Linda homenagem!❤
Obrigado, Artur.
Não podias ter dito melhor... demasiado grande.
O Mininha...❤️
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