À volta da fogueira sentados no chão em plena floresta; à volta da lareira de pedra entre pratos de madeira e castanhas que assam nas brasas; à volta de uma conversa eterna com copos de vinho na mão e aparelhos electrónicos desligados, remetidos ao silêncio. Sobre a mesa do Tempo deitamos as nossas cartas, de jogo, de navegação, de direcções para cumprir o plano. Em silhueta de mulher que dança embriagada pelas sombras celebrando a Vida e a força da consciência de todas as criaturas da floresta. Em corpo de homem celebrando a força do mar, o peso da montanha e as cambalhotas da sobrevivência. Amanhã tu irás aquele lugar mas não o vais fazer sozinho. Ninguém vai e vem sem levar alguém consigo. Eternos perdedores, ovelhas permanentes no sacrifício das derrotas,de quem escolhe sempre o lado que perde. Numa manhã de nevoeiro atrás da paliçada ouvimos os gritos do invasor vindos da floresta sabendo que aquele será o nosso último amanhecer dessa vida. O discurso do inquisidor dilui-se num som único que faz antever a condenação e a fogueira. E não há palavras nem gestos nem ninguém que o possa impedir. Partimos outra vez para voltar outra vez. Num naufrágio, numa epidemia, numa guerra e mesmo até raramente de razão natural ou velhice. Em qualquer uma delas arranjamos sempre forma de nos encontrarmos para nos podermos ajudar, para com a nossa presença relembrar ao que viémos. Aqui, oficina negra e malcheirosa, depósito daquilo que de mais atrasado e negativo pode ainda existir, aqui voltamos para trabalhar e tentar evoluír de uma forma mais consistente e segura. Como um curso que se vai fazendo, cadeira após cadeira, existência lectiva após existência lectiva. As fogueiras na floresta, as lareiras em torno das quais nos juntamos são as breves pausas da cantina entre aulas. São o espaço de comparar relatórios, avaliar progressos, alinhar estratégias futuros. Mesmo que só se digam disparates e a conversa seja do mais mundano que pode haver. Porque somos todos um apenas que se multiplica quando desce para fazer a sua formação, acumular as experiências. Estabelecemos equipas, distribuímos papeis, atribuímos funções. Não há exames nem chumbos mas apenas repetições até que se fique a perceber a matéria ou que a semente que plantámos comece a crescer sozinha.
Por isso quando nos abanam com o medo de morrer, respondemos : "Eu sou a morte!" Quando nos tentarem vender o líquido da eterna juventude : "Eu sou a vida!" E somos tudo não sendo nada, breves passagens anónimas por esta realidade absurda e caótica que divide a realidade em dois e que não deixa perceber para além do imediato, do supérfulo, do cruel.
As nossas conversas à volta da lareira são os pequenos pontos de referência onde o universo é glorificado pelas partes que celebram o Todo, que se torna Uno pela força do amor. Por isso nos continuamos a juntar, por isso seguimos juntos até finalmente nos encontrarmos de novo no mesmo Ser naquele lugar a que chamamos casa.
Artur
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