segunda-feira, 24 de março de 2008

REFFLECTINDO

A situação, para quem não está habituado, é simplesmente surrealista. Uma aluna e uma professora “combatem” pela posse de um telemóvel que a segunda resolveu confiscar, muito provavelmente porque estava a perturbar o funcionamento da aula. Na “geral”, enquanto um ou dois alunos tentam acalmar a situação, há um que filma, enquanto os restantes acompanham com comentários alarves dignos de um circo…romano. Infelizmente, esta tem sido a realidade de muitos professores, que se tornaram caixa de ressonância de pais e alunos, bombos da festa no pior sentido do termo. E tudo debaixo de um incrível véu de impunidade que ninguém consegue rasgar. Como é que se chegou a este ponto? Á simples subversão de papéis no que toca à hierarquia disciplinar de funções, à naturalidade com que se aceita este tipo de situações aberrantes, ao absurdo de a agressão de professores se ter tornado quase um “desporto” nacional?
Várias serão as respostas que irão desde o acumular de políticas erradas ao longo de 30 anos no que diz respeito à educação até à desagregação da sociedade em que vivemos, passando pela erosão assustadora de todo um conjunto de valores que nos colocam à deriva sem perceber bem qual é o futuro que nos está reservado.
Em primeiro lugar julgo que tudo começou logo a seguir ao 25 de Abril. A força dos ventos da Liberdade e Igualdade soprava com enorme intensidade… De uma forma tão intensa que, nalguns casos acabou por soprar na direcção errada. E uma delas foi, ao abrir-se a escola para toda a população, nivelar-se por baixo naquilo que à exigência e à disciplina dizia respeito. Desta forma, o inevitável choque de culturas de classe, em vez de permitir aos mais fracos e menos preparados uma melhoria da sua condição de cidadania, acabou por desgastar e enfraquecer os menos fracos fazendo baixar irremediavelmente os níveis de aproveitamento efectivo (não o das pautas) criando p. ex. gerações de licenciados com enormes dificuldades em se exprimirem na sua própria língua nativa. À classe média com rendimentos para isso, restou-lhe procurar o ensino privado se quisesse que os seus filhos tivessem um bom desenvolvimento cultural e intelectual na sua passagem pelo ensino secundário.
Em segundo lugar, o Estado foi acumulando ao longo de décadas erros sucessivos de má gestão política do Ensino através de reformas sucessivas que não chegavam a ter tempo de vida útil antes de serem implementadas pura e simplesmente porque o Governo mudava. Baixos salários dos professores, instalações degradantes, erosão da comunidade escolar a todos os níveis transformaram o Ensino numa jangada precária à deriva com os vários grupos que o compõem a falar sozinhos.
No fundo, o que as últimas décadas de governação conseguiram fazer foi pura e simplesmente destruir a classe média, minando os pilares da cidadania, ou seja da dignidade de um país. Foi a Saúde, a Justiça e a Educação. Nivelando por baixo, os filhos das classes baixas aprendem o mínimo dos mínimos para ocupar os trabalhos inferiores e mais mal pagos que continuam a encher as grandes corporações. Aos da classe média resta-lhes a gigantesca luta com o nariz fora da água para não cair definitivamente num oceano de impostos, regalias suprimidas, etc, enquanto faz das tripas coração para que os seus filhos consigam a formação superior necessária para não se afogar também.
A classe média é o barómetro social de qualquer civilização. Para cima, alimenta o lucro da classe superior enquanto trabalha para ela. Para baixo, alimenta a inferior pagando impostos e taxas que lhes permitam ter acesso à saúde, ensino, justiça, etc. É também em última análise a classe média que decide eleições, na medida em que é a classe maioritária de um país. Sem classe média o destino é o 3º mundo, o retrocesso civilizacional, o aumento anual do rendimento dos mais ricos e a morte e a miséria dos mais pobres. É na classe média que se encontra também o motor intelectual e cultural que transformou todas as sociedades ao longo da História. A Escola é o berço da cidadania. É na Escola que se formam os cidadãos. E mais uma vez, foi a Escola que respondeu a este caos concertado em que vivemos ao colocar 100 mil pessoas na rua numa manifestação de protesto contra esta política do governo. Talvez uma das maiores de sempre desde o 25 de Abril. Aí está a cidadania a manifestar-se e a dizer “BASTA” a décadas de insultos e provocações aos cidadãos. Estes 100 mil abrem uma porta de esperança mas alertam também para a responsabilidade de cada um. Nós portugueses andamos alheados há demasiado tempo de ser responsáveis directos do nosso destino. Por isso a culpa também é nossa. Por isso a classe política tem conduzido um pais como se de uma simples empresa com nº restrito de accionistas se tratasse. No dia das eleições, na rua a conduzir, em casa, no trabalho, em toda a parte… Está nas nossas mãos decidir em que é que nos queremos tornar. Num Estado de Direito e Cidadania ou num quintal malcheiroso das traseiras da Europa. Já esbanjámos duas oportunidades soberanas (O 25 de Abril e a entrada na União Europeia), não podemos esbanjar mais nenhuma.
A disciplina tem que voltar à escola e a escola tem que se voltar a transformar num espaço de formação de cidadãos, numa comunidade em que todos participem em comunhão mas absolutamente conscientes do lugar que ocupam. Quem não obedecer às regras tem de ser excluído, punido e afastado. Como cidadão, o que eu não posso admitir em circunstância alguma é o facto de voltar a assistir a imagens tão degradantes como as deste fim-de-semana. Os professores, um dos grupos mais sacrificados com estas políticas de caminho rápido para a terceiramundialização, são também os primeiros na força da mudança, na reclamação justa da Cidadania. Para eles o meu abraço solidário.
ARTUR

5 comentários:

José Ceitil disse...

Artur, estou de acordo quanto ao essencial do que dizes. No entanto parece-me mais justo repartir um pouco as culpas do actual estado caótico a que chegou o ensino. Por quem? Pelos sucessivos governos que esfrangalharam, por laxismo e incompetência, qualquer hipótese de corrigir de forma coerente e adequada às novas circunstâncias sociais e políticas, os erros do passado; pelos dirigentes sindicais e pelos professores que participaram em serena cooperação com o ministério, ao longo dos anos, nos grupos de trabalho que se ocuparam das várias “reformas do ensino”; pelos pais que se demitiram do papel fundamental que lhes cabe na educação e formação dos filhos; pelo conjunto desta sociedade rasca onde se perdem, ou deixam cair, valores considerados antiquados, como a responsabilidade e o respeito.
Um abraço

Carlos Lopes disse...

Pois é! Encontrar culpados é fácil, mas não chega. Há que encontrar soluções e isso já não é tão simples. As escolas são em muitos casos uma espécie de depósito de crianças cujos pais não os souberam educar. Uma escola para pais seria o ideal. Eu, no entanto, prefiro ser professor dos filhos. E gosto. Não saberia fazer outra coisa.
Não há respeito pela classe docente. Todos (sejam eles advogados ou pedreiros) sabem tudo sobre como deveriam ser as aulas, como lidar com os alunos, etc, etc. E a culpa é muito nossa, dos docentes. O Zé Ceitil (um abraço) tem razão em muito do que diz.
Ó Artur, diz-me lá uma coisa: se fores a um médico e o gajo te disser que tens uma cirrose, tu não te viras para o tipo dizendo que não, que o que tu tens sabes tu bem e nada tem a a ver com o fígado, que o que tens é uma unha encravada...
Ou seja, se fossem os professores (mas aqueles que gostam de ser, que são de alma e coração) a "mandar" no ensino, tudo seria melhor.
Um abraço.

Artur Guilherme Carvalho disse...

Zé e Carlos: Concordo com tudo o que disseram no essencial. Para uma criança, a escola é a primeira experiência de pertença a uma realidade comunitária. Falhada esse experiência, falha a formação de um cidadão activo e útil à sociedade. A uma sociedade em desagregação corresponde uma Escola desagregada.Mas a esperança de mudança continua lá. Na Escola e em professores como tu, conscientes e empenhados na sua actividade. Só esses é que interessam. Seria bom se todos lêssemos Montaigne, Pestalozi e Agostinho da Silva, a propósito deste tema. Um abraço aos dois.
ARTUR

redjan disse...

Irra ... ia botar faladura ... mas acho melhor mesmo ... ler-vos, absorver e ... calado .. aprender um pouco mais !!

Bem falado Zé, CL & Art ... curioso, três Tertulianos às Voltas !!

VDT disse...

Por experiência própria, posso afirmar que, nos meus tempos de "meia laranja" a coisa não era muito melhor! Não haviam telemoveis e a coisa com um açoites resolvia-se muito bem!mudam-se os tempos, mudam os instrumentos de distração na sala de aula, ou todos fomos santinhos e papa-livros? Há problemas bem mais graves no nosso ensino que os telemobeis! Bem Hajam