sexta-feira, 28 de setembro de 2007
Tio Nuno sempre
"Nunca se escreverá daquilo que está fora das palavras. Aproximações? Um Braque-Bach? Sei lá. Não posso pedir de mais ao pobre de mim. Vivo de ter vivido e sei-que-viverei. O resto é poeirada e oxalá seja varrida. Então o homem conhecerá a terra. Até lá, aguentaremos. À custa de seiva oculta: o saber intransmissível, mas activo, dos que vislumbraram." Nuno Bragança in A Noite e o Riso.
Fitas em português
Extracto de um diálogo do filme SEM SOMBRA DE PECADO de José Fonseca e Costa
O aspirante maçarico vai-se apresentar pela primeira vez ao quertel onde foi destacado. Recebe-o um capitão lateiro.
aspirante - Apresenta-se o aspirante oficial miliciano Henrique Andrade.
capitão - Muito bem. Andrada.
aspirante - Não,não. Andra-de.
capitão - Ah! De Andrade.
aspirante - Não, não. Sem "de"...
capitão - Sem de..? Andrá !?
O aspirante maçarico vai-se apresentar pela primeira vez ao quertel onde foi destacado. Recebe-o um capitão lateiro.
aspirante - Apresenta-se o aspirante oficial miliciano Henrique Andrade.
capitão - Muito bem. Andrada.
aspirante - Não,não. Andra-de.
capitão - Ah! De Andrade.
aspirante - Não, não. Sem "de"...
capitão - Sem de..? Andrá !?
Emblema para um Romance
O nevoeiro levanta-se sorrateiro e discreto, como fumo imperceptível das profundezas da terra, para em pouco tempo encher ruas e esquinas da cidade, desenhando todo um novo quadro espacial da paisagem urbana.
A realidade já não é real, as formas deitam-se a ser adivinhadas, as distâncias calculam-se por aproximação. Um manto de água evaporada abraça prédios e automóveis e envolve as pessoas que transforma em sombras, espalhando um desconforto húmido pela cidade. O tempo fica suspenso na incerteza dessa nova ordem. Apressa-se o andamento a caminho de casa onde um recanto confortável e acolhedor possa aliviar o mau estar dos ossos. Nas ruas, só o som dos passos dá sinal de vidas em movimento. Sons cadenciados, apressados, que se afastam ou aproximam a caminho de algum lugar.
Como fantasmas, invisíveis, caminham, correm sem se saber de quê ou para onde. Sombras que atravessam o manto frio e húmido ao arrepio do andar, tendo como referência de navegação os candeeiros, lampiões suspensos em halos solitários e difusos de brilho, marcando uma distância sempre finita de percorrer...e sempre infinita para alcançar a luz.
Sombras no nevoeiro, poeira no vento dos tempos, grãos de um areal imenso que nunca conseguiram perceber por inteiro. Sombras à sombra de uma condição de mentiras, roubos, injustiças, crimes, amor e ódio. Meio empurradas, meio inconscientes, meio senhoras da sua vontade, filhos da ignorância e do medo, acendem aqui e ali tímidas velas brancas de paz, círios de lembranças celestes, esperanças de amor dentro do caos.
Sombras que atravessam o nevoeiro, atravessando o seu caminho pela cidade, de uma rua á outra, do nascimento até morrer. Como podem, como sabem, como aprendem...tentam atravessar.
Sombras meio animais, meio humanas, filhas de um Deus estranho e ausente, cruel e galhofeiro.
O nevoeiro abraça a cidade num beijo húmido, como que varrendo as suas artérias entre um tempo que parte e um outro que se instala. E nesse meio espaço as pessoas, as plantas e os animais, entre o medo e o amor, abrandam os seus ritmos e contemplam esse tempo suspenso mastigando memórias de vida, ensaiando presságios de morte.
De manhã o Sol volta a nascer, o rio cresce de dentro da bruma para correr para o mar e a vida volta a saír de casa para ser vista, trabalhada, reflectida, melhorada, sobrevivida. Para trás ficará a noite anterior como evento cada vez mais distante, cada vez mais esquecido. Na próxima noite de nevoeiro voltará a suspender o tempo e a redesenhar o espaço, relembrando na vida que pára, as danças esquecidas do baile da eternidade...
ARTUR
A realidade já não é real, as formas deitam-se a ser adivinhadas, as distâncias calculam-se por aproximação. Um manto de água evaporada abraça prédios e automóveis e envolve as pessoas que transforma em sombras, espalhando um desconforto húmido pela cidade. O tempo fica suspenso na incerteza dessa nova ordem. Apressa-se o andamento a caminho de casa onde um recanto confortável e acolhedor possa aliviar o mau estar dos ossos. Nas ruas, só o som dos passos dá sinal de vidas em movimento. Sons cadenciados, apressados, que se afastam ou aproximam a caminho de algum lugar.
Como fantasmas, invisíveis, caminham, correm sem se saber de quê ou para onde. Sombras que atravessam o manto frio e húmido ao arrepio do andar, tendo como referência de navegação os candeeiros, lampiões suspensos em halos solitários e difusos de brilho, marcando uma distância sempre finita de percorrer...e sempre infinita para alcançar a luz.
Sombras no nevoeiro, poeira no vento dos tempos, grãos de um areal imenso que nunca conseguiram perceber por inteiro. Sombras à sombra de uma condição de mentiras, roubos, injustiças, crimes, amor e ódio. Meio empurradas, meio inconscientes, meio senhoras da sua vontade, filhos da ignorância e do medo, acendem aqui e ali tímidas velas brancas de paz, círios de lembranças celestes, esperanças de amor dentro do caos.
Sombras que atravessam o nevoeiro, atravessando o seu caminho pela cidade, de uma rua á outra, do nascimento até morrer. Como podem, como sabem, como aprendem...tentam atravessar.
Sombras meio animais, meio humanas, filhas de um Deus estranho e ausente, cruel e galhofeiro.
O nevoeiro abraça a cidade num beijo húmido, como que varrendo as suas artérias entre um tempo que parte e um outro que se instala. E nesse meio espaço as pessoas, as plantas e os animais, entre o medo e o amor, abrandam os seus ritmos e contemplam esse tempo suspenso mastigando memórias de vida, ensaiando presságios de morte.
De manhã o Sol volta a nascer, o rio cresce de dentro da bruma para correr para o mar e a vida volta a saír de casa para ser vista, trabalhada, reflectida, melhorada, sobrevivida. Para trás ficará a noite anterior como evento cada vez mais distante, cada vez mais esquecido. Na próxima noite de nevoeiro voltará a suspender o tempo e a redesenhar o espaço, relembrando na vida que pára, as danças esquecidas do baile da eternidade...
ARTUR
quinta-feira, 27 de setembro de 2007
Negro nevoeiro
Caminhamos pelas ruas desta cidade e a paisagem humana é cada vez mais pobre, mais agressiva, mais grosseira. Entrar numa grande loja ou supermercado é como tirar bilhete directo para filmes como o BLADE RUNNER. Replicantes por todo o lado, feios, gordos, porcos e maus. Trazem o olhar vazio e indiferente de quem está a centímetros de explodir sobre o próximo. Falam alto, atropelam-se nas filas, caminham em frente ( quem quiser que se desvie), sem rumo nem direcção. Aparentemente vão ás compras mas, olhando com um pouco maiis de atenção percebemos que nas compras e em casa se estão simplesmente a equipar para a guerra. Uma guerra na estrada com o primeiro incauto que se lhes atravessa no caminho. Uma guerra contra o outro, seja quem fôr. Uma guerra dentro da familia, onde se matam e maltratam crianças e idosos. Os animais de estimação deitam-se fora na beira da estrada no primeiro dia de férias. Os pais e avós despejam-se num lar qualquer no primeiro sintoma de incapacidade a pedir sacrifício, paciência e abnegação. Vivem-se tempos terríveis em que o desespêro deu lugar à indiferença. Uma indiferença fria e vingativa sempre na direcção dos mais fracos. Roubaram-nos a alma e só continuamos vivos por capricho da Natureza e porque (só enquanto) pagamos impostos. Das terras sai o hospital, a escola, os correios, a policia. Porquê ? Porque é muito caro. As crianças nascem nas estradas, as aldeias esvaziam-se de gente, a educação e a saúde são privilégios acessíveis a quem os puder pagar.Direitos ? Qu é isso ? Depois de nada haver deixa de haver gente, pessoas...deixa de haver um país. É o escuro depois do medo; é a morte depois do nada. Um dia destes acordaremos no meio do mar, mortos vivos desta tragédia que construímos e fizémos abater-se sobre nós.
ARTUR
ARTUR
BENÇÃO AMALDIÇOADA
Na folha em branco a frustação do começo...(que começo? como? falar de quê?) No ecran vazio a urgência de uma imagem, um espaço para preencher, uma situação para retratar. A originalidade fugidia que se escapa nos buracos negros da imaginação. A vontade maior que tudo o resto a impelir, a empurrar, a obrigar a sentir-nos vivos. Na frustração o começo do branco e os cheiros das histórias por contar, rastos perdidos e matreiros que se escondem em espaços acessíveis mas nem por isso evidentes. Escrever é sem dúvida uma enorme dor de cabeça. Um dom e uma maldição. Escrever um romance é uma visita guiada a ums série de sensações que vão desde o deslumbramento até à raiva, à negação à vontade enorme de desistir e ir fazer outra coisa. Mas, qual adesivo peganhento, a escrita dá-nos vida e também se alimenta de nós. Por isso não há fuga nem retorno, nem conversa. Há que escrever, rasgar, corrigir e continuar. A escrita é esta maldição abençoada que nos enche e esvazia um pouco todos os dias. Uma benção amaldiçoada que só faz sentido quando chega ao destinatário. Mas aí já tem vida própria e não pertence mais ao criador.
ARTUR
ARTUR
quarta-feira, 26 de setembro de 2007
MAIS UMA VOLTA,MAIS UM SINO QUE TOCA
A única forma de não morrer antes do tempo é nunca parar, estar sempre a inventar, a correr de um lado para o outro para nos sentirmos vivos. Com alguns aninhos nas minhas contas já somei muitos, repito, muitos projectos onde tudo começa com uma forte vontade e entusiasmo de leão e, na maior parte dos casos, acaba com um sentimento de frustação e desilusão. Mas o necessário é continuar. Partimos hoje para mais uma aventura, ou a repetição de outra anterior à qual só mudam os métodos. Dos cineclubes para uma revista que era um magazine cultural, da revista para a imprensa regional, etc. A ideia é sempre a mesma : abertura de espaço para falar de cultura, aproximando as pessoas ao debate e à saudável troca de ideias. Abertura de espaço onde consigam conviver as várias artes, interagindo com as pessoas e entre si. Teatro, cinema, literatura, fotografia, etc. Estamos adormecidos há demasiado tempo neste nevoeiro de atrasados mentais que nos impõem todos os dias uma série de gente insana, vazia e estúpida que devia estar internada numa clínica de recuperação ou numa reserva numa ilha bem longe no mar. ACORDEM!!! Aqui também há cultura, espaço para as pessoas se conhecerem, expressarem e trocarem ideias com os outros. Não se trata de uma palestra chata e adormecente nem de uma fogueira de vaidades, uma "passarelle" de tolinhos deslumbrados consigo próprios. Aqui há bons romancistas, bons músicos, boas peças de teatro, etc. Aqui há vida à espera de se revelar...basta insistir um pouco na sua procura. A cultura é o meio mais poderoso e mais completo de nos conhecermos e percebermos quem somos. Cultura é vida e aqui há vida. Sempre houve. Não conseguiu foi ter espaço no discurso vazio e mafioso da política nem na ganância do lucro. Mas está viva, continua aí...para quem quiser. Viva Sttau Monteiro, Nuno Bragança e Miguel Rovisco. Vivam também vocês porque a criação é sempre feita em vosso nome,para vós. Como dizia o Hemingway : " Não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram sempre por ti".
Artur
segunda-feira, 24 de setembro de 2007
A PORTUGAL
Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem ditosa, porque não o merece.
Nem ditosa, porque não o merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
a pouca sorte de ter nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.
Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fátua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e prostitutas,
devotos todos do milagre,castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do Sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas,secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. És cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra no cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço, mas seres minha, não.
Jorge de Sena
( 1919- 1978)
sábado, 22 de setembro de 2007
O Regresso a casa ( A sort of homecoming)
Foi assim. Mais do que uma vez, a primeira, a última e todas as outras. O encanto de chegar e esquecer o cansaço ante a presença do templo que se erguia sobre a povoação. O passo das montadas refrescando-se a cada passo de aproximação. Um desvio, uma falha de indicações e a entrada por Ocidente. O reencontro de cinco almas de volta a casa. A visita guiada, os esclarecimentos, o reconhecimento deste e daquele lugar. A força das primeiras construções, a entrada virada a nascente que se encarregaram de substituír por uma janela, os corredores tristes e lúgubres que lhe impuseram a beatada, os soldados do medo, a obsessão em esconder a verdade e a vida. A janela do capítulo que esteve tapada com telhas e muros da beatice estúpida e ignorante durante quase 300 anos. O resto, a vida que volta sempre ao de cima por mais que a queiram esconder, a força do Amor, do Conhecimento e da transmutação. A Charola e a chaminé em funcionamento que nunca parou de perfazer a sua tarefa. O octógono mágico à volta do qual os cavaleiros podiam assistir à missa sobre as suas montadas. A (re)visitação de espaços que foram vividos por nós há muito tempo... e hoje. O refeitório, a cozinha, a adega. O regresso à harmonia com um Pôr do Sol magnífico sobre a rosácea. Um percalço de última hora, a carteira de um de nós que se tinha perdido a obrigar a voltar para trás. A carteira que afinal nunca saíu do mesmo sítio onde caíu. No parque, precisamente onde tínhamos dito adeus. O 2º, ao lusco fusco ante a imponência da torre da alcáçova, do maravilhoso castelo, pequeno e grandioso como todas as obras da ordem, ou do espírito. O Jantar tranquilo em família num restaurante anónimo da cidade, onde falámos de tudo e de nada, como fazem os companheiros que se encontram ao fim de algum tempo. Da cultura às piadas, do estado das coisas. Felizes por nos voltarmos a encontrar. A saída do restaurante debaixo de uma enorme trovoada. Cinco no carro. Ninguém disse nada, ninguém combinou nada. O carro saíu sozinho de novo, lá para cima. Outra vez a torre mãe, o espaço, as ameias. E sobre todo o cenário uma chuva de benção saudada por três (3) trovoadas monstras que se juntaram no horizonte. O Céu e a Terra de novo juntos para nos dizer, "Bem Vindos à vossa casa; Nunca se esqueçam que estamos sempre juntos; O Espírito é eterno, talcomo eternos são os vossos Seres; Até sempre companheiros; Obriga do por terem vindo" Numa noite de Setembro... CAVALEIROS DO TEMPLO
Artur
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