É tão vasta a palavra “talvez” que cabe dentro dela uma
existência inteira, uma expectativa no horizonte que nunca se aproximou, uma
dor que doeu para lá do tempo que tinha, um desperdício aproveitado desprovido
de justificação. Talvez um dia tenhamos chegado aqui vindos de não se sabe onde
para uma viagem sem mapa nem bússola, um caminho de solavancos e encontrões
cujo sentido só será conhecido quando já não fizer sentido nenhum. Talvez nos
tenhamos encontrado nessa viagem atribulada quando dois comboios pararam na
mesma estação em direcções diferentes. Duas janelas que coincidiram entre
apeadeiros, olhares cruzados, rostos familiares e um apito ensurdecedor de
partida a sublinhar uma despedida antes do reconhecimento. Talvez uma memória
tivesse ficado esquecida, perdida no apagamento das coisas que não podiam ser
lembradas. Talvez, como quem está numa praia onde o mar toma conta de tudo e a voz
não se consegue ouvir. Talvez o Sol me tenha aquecido a falta do teu abraço antes
das ondas embalarem as noites que não dormimos. Talvez os desencontros, as
faltas de comparência e de sintonia tenham sido os sinais de todo este caminho
onde, sabendo de nós, de alguma forma também sabíamos que nunca nos iríamos
encontrar. Talvez o mar nos soubesse dizer alguma coisa mas se tenha esquecido
da melhor forma de o fazer. Em vez disso deu-nos tranquilidade, silêncio, uma
resposta vaga, um conselho imperceptível em forma ondulada de uma respiração
permanente. Talvez a caminhada tivesse algum sentido e as ausências, as dores,
os desencontros e os acidentes fossem lições que era necessário aprender. E o
caminho foi percorrido, primeiro com medo, depois com raiva e por fim com
resignação. Talvez tudo fosse uma ilusão extremamente real de saborear para que
melhor se pudesse ultrapassar mais uma etapa. Talvez volte esta tarde ao mar e,
desta vez fique por lá a deixar cair a noite, quieto sem me mexer, a ondular na
respiração das ondas, a falar contigo através do vento. Talvez fique por lá e
não volte e deixe em terra os desencontros e as ausências, as dores e as perguntas
a que nunca consegui responder. Talvez no meio do ondular o corpo se desprenda
e a voz se cale e tudo fique inexplicavelmente
parado como um comboio na sua última estação. Os passageiros a saírem em fluxo
contínuo, as bagagens e, por fim as luzes desligam-se. O silêncio enche todo o
espaço e só as memórias vão ficar por ali como pequenas marcas da passagem dos
dias. Pequenas marcas que o tempo se encarregará de varrer de manhã enquanto
prepara uma nova viagem. Talvez…
Artur
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