segunda-feira, 12 de julho de 2021

ENTRE SAUDADES

 

Décimo primeiro do sétimo mês de dois mil e vinte um. Tenho saudades tuas.
Tantas que gasto a câmara e o som desta manigância do diacho.
Tinha saudades das minhas gatas. Tantas que as fui buscar numa semana e voltei mais depressa do que fui.
Tantas saudades do que seremos daqui a nada, do que somos juntos a cada instante.
Nos intervalos da chuva sento-me a escrevinhar e a debruar o papel com florzinhas e corações.
- Elsa, já tens idade para ser mais cínica! Diz-me a voz a que nunca prestei atenção. Nunca fui dada a cinismos senão quando acometida por gasturas do fígado que certos humanos me provocam.
A Gaya já me virou o iPad da mesa das orquídeas brancas. E claro que caiu de vidro virado para baixo com as devidas consequências. Milagre! Ainda dá para escrever!
E eu continuo com saudades dela, mesmo com ela ao meu lado a desafiar o Lucky que se vai aproximando. A Lua vai mais devagar e rosna como uma pantera debaixo da cama ou de cima do armário.
Tantas saudades que eu não tinha dos prédios, do ar seco, dos sorrisos tensos e dos aviões. Compensam os filhos e amigas chegadas, os vizinhos e os sorrisos atrás das máscaras.
Tenho tantas saudades minhas quando não estou contigo. Falo mansinho e de rijo, sorrio até à gargalhada a pensar no dia da tua chegada.
Já se abriram as janelas de mais de metade das casas. As ruas estão povoadas com habitantes que já foram como eu, aqueles que esperam que um dia seja de vez. É num instante, basta contar até três!
O correio ainda não chegou, o fuso horário diz-me que ele ainda não acordou. Eu aguardo, sem aguardar nem desesperar. Não é possível o desespero quando se está onde se quer. No meio do mar, no meio do verde, com as daninhas agarradas às pernas e aos vestidos comprados nos saldos e na feira da Salvaterra. Forro gavetas com óleos citricos e papéis cheios de jardins lá dentro. Gasto mais solas do que gasolina, mais dedos do que palavras.
Tenho tantas saudades tuas que dou por mim no cais à espera do recorte dum barco no horizonte. Depois arranco para o Terminal só para ver as chegadas e emocionar-me com os abraços dos outros. São como aqueles que dei aos filhos e amigas que não via há tanto tempo, cheios de lágrimas e de esperança, cheios de tudo o que não nos permitimos sentir nestes tempos pandémicos e loucos.
Volto à mata, ao bosque de poemas, pelo portão do coração e permito-me espalhar as saudades pela terra vermelha, com a certeza de que um dia breve serão as plantas mais bonitas deste lugar reconstruído com tanto amor e paciência.
Elsa Bettencourt

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