sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

QUANDO SE...

 
 

 

Quando tudo isto acabar vou voltar ao café com uma vitrina sobre a praça e ficar lá meia hora sentado a saborear o café, ou talvez mais tempo, quem sabe? Quando tudo isto acabar vou -me apresentar àqueles que sempre conheci como se fosse a primeira vez que nos encontramos. Vamos perder algum tempo a reconhecer os rostos a adivinhar a direcção do humor, vamo-nos demorar na leitura de cada palavra como se fosse a primeira vez que ouvimos aquele som. Quando tudo isto acabar, se ainda por cá andar, a única coisa que não quero ouvir é que tudo vai voltar à mesma forma do costume, ao habitual antes da tragédia. Se alguém me disser ou manifestar essa ideia pode ter a certeza que a enfio pela vitrina fora e à cambalhota até aos pés da estátua de quem ninguém sabe quem é a não ser os pombos. Será o prazer do café ao fim da tarde servido pela empregada sorridente que começou esta semana, serão os amantes que se transformaram em inimigos ou camaradas de armas para o resto da vida. Mas a vida antiga, não. Quando isto tudo acabar, se é que algum dia isso irá acontecer, vou ter que me voltar a conhecer o andar nas ruas, a reaprender a fala como alguém que convalesce de doença prolongada. E se vou ter que voltar a aprender-me a mim, aos outros e á vida em geral tenho a certeza que não vou reiniciar o programa que se desligou lá atrás. O programa que fazia de nós alegres escravos em liberdade, vítimas do nosso próprio lixo, desleixo, carrascos e vítimas da mesma equação.

Basta um café tranquilo com vista para a praça, basta o fumo da chávena e palavras por ouvir. Basta meia hora a ver as pessoas a andar lá fora ao Sol do fim do dia.

Quando tudo isto acabar não quero começar nada… Quero voltar a aprender o mundo e os outros, quero voltar a inventar-me num espaço novo. Começando por um café demorado em frente a uma praça qualquer…

 

Artur


 

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