THE IRISHMAN
Martin Scorsese
EUA, 2019
Estreado em 27 de Setembro deste
ano no New York Film Festival, THE IRISHMAN trazia na sua posse todos os
condimentos para rapidamente se tornar uma obra-prima (mais uma) para a
colecção de um dos mais importantes realizadores de sempre. A começar por um
elenco de luxo (Robert de Niro (Frank Sheeran), Al Pacino (Jimmy Hoffa), Joe
Pesci (Russell Bufalino)), abordando um dos mitos mais marcantes da história do
submundo (o misterioso desaparecimento de Hoffa em 1975 sem que fossem
encontradas quaisquer pistas da sua morte ou assassinato), atravessando
momentos decisivos da História americana nas décadas de 50 a 70 (eleição e posterior
assassinato do Presidente Kennedy,o episódio da Baía dos Porcos, a perniciosa
relação do submundo do crime com as mais
altas instâncias do poder). Já bem avançados na casa dos 70 todos estes
dinossauros do Cinema conseguem construir um monumento fílmico que ficará na
história dos filmes de gangsters como referência incontornável. O recurso ao
processo CGI (Computed Generated Imagery) que permite rejuvenescer os actores,
além do reforço realista que emprega ao filme permite aproveitar o mesmo rosto
e o mesmo corpo dispensando a utilização de duplos. Um efeito especial sempre
estranho de observar se bem que ver de Niro com olhos azuis não deixa de fzer
alguma confusão.
Baseado no livro "I Hear You
Paint Houses" de Charles Brant, o que na realidade o filme nos vai
contando é a vida e o percurso de Frank Sheeran, um dos poucos não italo
descendentes a integrar os cargos mais elevados da organização da Cosa Nostra,
tal como publicado pelas autoridades norte americanas, ao lado de pesos pesados
como Anthony "Tony Pro" Provezano ou Anthony "Fat Tony"
Salerno. Nas suas memórias, entre outros feitos, Sheeran reclama para si a
autoria da morte de Jimmy Hoffa o lendário presidente do sindicato dos
camionistas e também alto quadro do crime organizado misteriosamente
desaparecido no Verão de 1975 na região de Detroit sem qualquer pista deixada
para trás acerca do seu desaparecimento. Uma verdade que ainda hoje e talvez
nunca mais se irá conseguir esclarecer. É um Sheeran em fase final de vida
(morreria aos 83 anos em 2003) que nos vai dando a sua versão de uma vida no
submundo do crime iniciada pouco depois de regressar da II Guerra quando se
encontra com o advogado Russell
Bursalino e é introduzido através dele nas fileiras da mafia de Filadélfia. É
aí que vai conhecer lendas como Felix Di Tullio (Bobby Cannavale) ou o
"Gentle Don" , Angelo Bruno (Harvey Keitel). Lendas que o realizador
faz questão de nos apresentar acompanhados da legenda onde figuram os seus
nomes a data e a forma como morreram. No final dos anos 50 Sheeran é
apresentado a Jimmy Hoffa, sendo ele e Bursalino os seus dois grandes mentores
de referência para o resto da vida. Acompanhando Hoffa, o irlandês passa
rapidamente de guarda costas/ assessor/ secretário a dirigente sindical
mantendo-se sempre na sombra do presidente. Uma grande amizade acabará por se
formar entre os dois, amizade que durará duas décadas e terminará abruptamente quando Sheeran é
encarregado de abater Hoffa. Pelo meio fica uma longa narrativa do baile ente o
poder e o submundo do crime, eleições forjadas, extorsão, assassinato de presidentes,
tentativas de golpes de estado em países estrangeiros mais uma imensa panóplia
de actividades e acontecimentos onde dois mundos se interpenetram de forma
subversiva. Depois de um período na prisão Hoffa volta à liberdade empenhado em
recuperar a presidência do "seu" sindicato. No entanto os tempos
mudaram e com eles a conjuntura. É do interesse "geral" que Hoffa se
retire e vá gozar a sua reforma. Mas Hoffa é teimoso e não ouve ninguém, nem o
seu há muito "braço direito" que não se cansa de o avisar. "Eles
estão preocupados. Não! Eles estão mesmo muito preocupados." É esta
linguagem codificada, toda esta forma muito própria como os assuntos são
debatidos, as reuniões e os pequenos pormenores que vão decidindo o destino de
cada um. Uma linguagem que Scorsese domina de uma forma elegante e eficaz. Todo
o filme acaba por ser uma fantástica sinfonia de talento. Qual intriga de Cúria
Romana, Hoffa é abatido por um dos homens da sua maior confiança.
Sheeran terminará os seus dias em
diálogos escassos com um padre e a tentar reconciliar-se com uma das suas
filhas que nunca mais lhe falou quando percebeu que tinha sido ele a abater o
seu melhor amigo. As revelações acabam por se deixar ver num tempo em que já
todos, ou quase todos, desapareceram.
THE IRISHMAN é um colosso no que
ao género de filmes de gangsters diz respeito. Violento sem derramar violência
gratuita, subversivo sem se enredar no folclore das teorias da conspiração,
dramático e humano no que à análise dos defeitos e das culpas diz respeito. As suas três horas de duração
passam a correr sem darmos pelo tempo.
Artur
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