O TAXI 9297
Reinaldo Ferreira
Portugal, 1927
Já várias vezes fizemos
referência neste blog tanto a Reinaldo Ferreira (o famoso Reporter X) como ao
seu carismático filme, O TAXI 9297. Talvez pela relevância de uma obra ímpar ou
talvez por se tratar de uma época que teve tanto de fascinante como de pouco
divulgada (os anos 20 em Portugal) o certo é que todas as razões são boas para
voltar a estes temas. No caso de hoje trata-se de uma edição da Cinemateca (2017), um DVD de
digitalização Ultra HD de restauro em 35mm com acompanhamentos musicais ao
piano inéditos por Filipe Raposo. Além do filme O TAXI 92927, esta edição
inclui ainda como complemento a curta-metragem RITA OU RITO?... de Reinaldo
Ferreira e o ensaio audiovisual OS MOTIVOS DE REINALDO de Ricardo Vieira Lisboa
sobre os filmes do Reporter X bem como uma brochura ilustrada de 64 páginas com
textos em português e inglês.
Por todas estas razões, se não em
termos absolutos pelo menos em grande parte, acabaremos forçosamente por empreender uma fascinante e ilustrativa
viagem ao tempo e à obra de uma dos maiores criadores/cronistas/artistas de uma
época alucinante onde, entre outras particularidades ( e como escreveu o meu
amigo Arnaldo Mesquita) "o tempo histórico ultrapassou em grande
velocidade o tempo cronológico".
O filme propriamente dito não é
um documento isolado mas apenas uma parte de um universo muito mais extenso que
tem como ponto de partida a realidade. Em Março de 1926 o misterioso
assassinato da actriz Maria Alves faz disparar o imaginário da sociedade e a
especulação da imprensa. Entre a teoria de um clássico assalto que evoluiu para
um homicídio e o simples assassinato por alguém que era próximo da actriz a
opinião pública divide-se. Do lado desta
última versão está o jornal O Século e a revista ABC, espaço onde o repórter
Reinaldo Ferreira desenvolve a sua teoria dando a entender que o culpado seria
o empresário António Gomes, amante da actriz. Suspeita seguida pela policia que
mais tarde vem a confirmar prendendo o dito empresário. Partindo deste ponto
Reinaldo Ferreira salta rapidamente da forma da reportagem e escreve uma peça
de teatro acerca deste episódio, mais tarde realiza o filme. No início do filme
podemos ler a legenda: "Não se trata de um decalque do dia a dia. O autor
pede que acreditem na sua fantasia". E este é o espírito de Reinaldo
Ferreira que vai construíndo uma novela policial com os olhos do repórter que
relata a realidade. Ficção e realidade percorrem então a mesma linha, ocupando
o mesmo espaço.
O TAXI 9297 torna-se uma
referência a vários níveis na medida em que se desenvolve entre a vanguarda e a
experimentação. Embora ilustrando uma realidade cosmopolita, exótica e vibrante
afastada do realismo, mergulha a fundo nos meandros de uma sociedade mundana
enredada nos seus jogos de ambição e declínio, sem deixar nada por mostrar.
Como as pernas nuas das coristas do teatro onde Raquel Monteverde trabalha ou o homossexual que se injecta no palacete do
Bretolho, sendo esta última imagem repetida outra vez no cinema português no filme VIDAS de António da Cunha Telles quase
sessenta anos depois. Para a ficção transporta-se a verdade com que se convive
todos os dias na actividade jornalística febril. Mas esta realidade ficcional
de Reinaldo Ferreira corresponde também a uma sociedade dos anos 20 em
Portugal. A originalidade está na forma como é apresentada através de
artifícios espectaculares, planos simples mas ousados e de grande aproximação
com as personagens, economia narrativa, utilização de elementos da linguagem
cinematográfica pouco conhecidos até então (o flash back final).
Bem recebido tanto pelo público
como pela crítica a breve obra cinematográfica de Reinaldo Ferreira viria a
ecoar nas futuras gerações. Em 1983 Eduardo Geada transformou a história do
taxi 9297 num dos episódios do seu filme SAUDADES PARA DONA GERENCIANA. Três
anos depois REPORTER X de José Nascimento retrata um biografia ficcionada de
Reinaldo Ferreira prestando-lhe dessa forma a devida homenagem da sua
modernidade.
Porque ao pegar numa tragédia real
sob a forma de tratamento jornalístico e ao transformar esse mesmo
acontecimento trágico numa novela e depois num filme, o que Reinaldo Ferreira
faz é multiplicar e estimular as várias dimensões da imaginação colectiva.
Artur
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