De repente e sem me esforçar
muito, lembrei-me que era celta, lusitano e fenício. A memória inscrita nos
meus genes era uma selecção ou uma mistura ou tudo a um tempo de uma história
antiga de povos e culturas que trocaram mercadorias, ódios e aprendizagens. De
correrias pelo mato, caminhadas por montanhas, trocas em mercados, campos
cultivados, pescas, barcos navegados pelos caminhos do mar De gente que acabou
por se misturar entre a vida e a morte num mesmo território. Depois, sem forçar
a memória, percebi que era judeu, cristão e árabe. O meu Deus era um gajo que
tinha várias camisolas que ia trocando ao sabor das estações e dos tempos mas
era sempre o mesmo. Os tipos que achavam que falavam em nome dele é que eram
apenas e só uma cor, uma camisola, uma coisa qualquer contra a outra cor,
dividiam para dominar, entrar nas nossas vidas e dizer como as deveríamos
viver. No fim as camisolas lutavam entre si, morriam e matavam em nome do mesmo
Deus e os tipos que falavam em nome dele engordavam, enriqueciam, dominavam a
maioria. Uma empresa com várias filiais mas um único presidente.
Sem fazer um grande esforço
percebi que era português, castelhano, francês, que respirava o mesmo ar,
dividia umas gargalhadas ao fim da tarde, numa paisagem mediterrânica desenhada
a azeitonas, pão e vinho tinto. Que sofria o mesmo transtorno com as
tempestades, que suava a mesma sede com as secas prolongadas, que batia o dente
da mesma maneira quando chegavam os cortantes ventos do Inverno.
De repente percebi que era
europeu, e africano e asiático, e a minha única dúvida era sobre qual deles
teria sido primeiro.
E fui branco, preto, amarelo e
vermelho e dancei as danças da chuva, rodopiei as voltas do folclore, fiquei
nostálgico ao som dos blues, saltei
com o bater dos tambores, deixei que a música fosse falando por mim, deixei a
música tocar a sua única melodia.
Percebi que para ser um teria que
ser tudo e todos. Em breve serei nada…
Artur
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