domingo, 14 de julho de 2019

ATÉ QUE A MANHÃ NOS RECORDE




Tudo o que nos resta são memórias. Tudo o que nos resta, tudo o que nos sustenta, tudo o que nos identifica. Somos feitos de passado e recordação,  o único património que realmente importa. Continuaremos a recordar, a lembrar, a visitar o que aconteceu atravessando a escuridão da noite, o negro da insónia, agitado e imparcial, aterrador e absurdo até ao regresso da luz, até que a manhã nos recorde.

E na travessia que seria supostamente uma desculpa para uma busca de qualquer coisa, um suposto encontro anunciado, vamos percebendo que não há nada para encontrar…tudo para construir. O caminho não é uma busca mas uma acto criativo permanente onde nos vamos inventando um pouco todos os dias. Com pedaços do passado, memórias, mágoas e alegrias, tudo apontado num caderno cada vez mais gasto de tanto escrever.

Passamos a vida a dizer adeus porque nada fica junto a nós eternamente. Passamos a vida a encontrar e a perder e sempre a recordar. Somos feitos de memórias, esse é o nosso cimento. Quando caímos aqui não somos nada, não nos reconhecemos em lado nenhum, não somos parte nem todo. Insistimos em caminhar, hesitantes, frágeis. Damos a mão a companheiros de percurso para evitar cair, para prender alguma coisa … Passamos metade da vida confusos, desajustados e com medo. Medo do vazio, medo do outro, medo de nós. E no medo plantamos a coragem, na hesitação a certeza, na memória o reencontro. O voltar ao que sempre fomos reforçados pela experiência da travessia. A celebração de um novo Ser reforçado, recriado e fortalecido.

Passo a passo vamos construindo alguma coisa, alguma coisa que nunca dura para sempre, que se gasta, consome, afasta e acaba por terminar. Somos feitos de memórias e passamos metade da vida a recordar, a lembrar o que já não temos, a mastigar despedidas e outra metade a erigir o edifício novo em que nos tornamos…para logo a seguir terminar. Puta de vida tão estranha.

E continuaremos obstinados a criar qualquer coisa que seremos para não ficar presos em becos sem saída feitos de lágrimas e respostas mortas antes de nascer.

Recordaremos pela noite fora, até que um dia a manhã nos recorde.

Levantados do chão, a caminho do mar, para conquistar o céu.


Artur

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