Tudo o que nos resta são
memórias. Tudo o que nos resta, tudo o que nos sustenta, tudo o que nos
identifica. Somos feitos de passado e recordação, o único património que realmente importa.
Continuaremos a recordar, a lembrar, a visitar o que aconteceu atravessando a
escuridão da noite, o negro da insónia, agitado e imparcial, aterrador e
absurdo até ao regresso da luz, até que a manhã nos recorde.
E na travessia que seria
supostamente uma desculpa para uma busca de qualquer coisa, um suposto encontro
anunciado, vamos percebendo que não há nada para encontrar…tudo para construir.
O caminho não é uma busca mas uma acto criativo permanente onde nos vamos
inventando um pouco todos os dias. Com pedaços do passado, memórias, mágoas e
alegrias, tudo apontado num caderno cada vez mais gasto de tanto escrever.
Passamos a vida a dizer adeus
porque nada fica junto a nós eternamente. Passamos a vida a encontrar e a
perder e sempre a recordar. Somos feitos de memórias, esse é o nosso cimento.
Quando caímos aqui não somos nada, não nos reconhecemos em lado nenhum, não
somos parte nem todo. Insistimos em caminhar, hesitantes, frágeis. Damos a mão
a companheiros de percurso para evitar cair, para prender alguma coisa …
Passamos metade da vida confusos, desajustados e com medo. Medo do vazio, medo
do outro, medo de nós. E no medo plantamos a coragem, na hesitação a certeza,
na memória o reencontro. O voltar ao que sempre fomos reforçados pela
experiência da travessia. A celebração de um novo Ser reforçado, recriado e
fortalecido.
Passo a passo vamos construindo
alguma coisa, alguma coisa que nunca dura para sempre, que se gasta, consome,
afasta e acaba por terminar. Somos feitos de memórias e passamos metade da vida
a recordar, a lembrar o que já não temos, a mastigar despedidas e outra metade
a erigir o edifício novo em que nos tornamos…para logo a seguir terminar. Puta
de vida tão estranha.
E continuaremos obstinados a
criar qualquer coisa que seremos para não ficar presos em becos sem saída
feitos de lágrimas e respostas mortas antes de nascer.
Recordaremos pela noite fora, até
que um dia a manhã nos recorde.
Levantados do chão, a caminho do
mar, para conquistar o céu.
Artur
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