Lembras-te daquele livro que lemos no mesmo Verão depois dos
exames? E daquele filme com o….aquele que se casou com a…tu sabes, meu.
Lembras-te quando fomos acampar para aquele sítio ali…não muito longe de…logo a
seguir a…? Não te lembras?
Houve um tempo e um caminho e
dentro deles estivemos nós? Houve dores
e alegrias, eternidades e apocalipses, lágrimas e gargalhadas. Isso lembro-me.
Tenho é dificuldade em encontrar as datas, dar um nome aos dias, aos sítios…
Mas lembro-me, sem dúvida que me lembro. Como tu te deves lembrar, de certeza.
Estavas lá tanto como eu, afinal as nossas vidas nunca se chegaram a afastar
muito, antes correram como linhas paralelas que ocasionalmente se cruzaram no
infinito. Este infinito que eu sei que existe, que aconteceu mas que me custa
estabelecer tempos, colar etiquetas como na arrecadação de um museu. Ás vezes
parece aquele filme do gajo que acordava todos os dias no mesmo dia. Como é que
era o título do filme? Com aquele actor, o…que também entrou naquele filme do…
quando éramos miúdos e nos borrávamos de medo? Tu sabes, meu.
Tu sabes tão bem como eu, ninguém
está a inventar, ninguém consegue inventar uma vida, desenhar um espaço que é o
nosso como se fosse para sempre. Um espaço onde cabemos confortáveis com as
nossas memórias como um zeloso bibliotecário encarregue da segurança dos seu
livros. Um lugar à prova de tempo e de acidentes que nunca pode acabar enquanto
nos conseguirmos lembrar. Naquele lugar onde nascemos e fomos à escola, nascem
agora outros que nunca vão saber quem fomos, nem os nossos nomes nem os nossos
livros, nem os nossos filmes. O cinema foi abaixo, a Livraria já não existe, a
livraria do senhor…daquele que coxeava e vendia jornais ao princípio numa
esquina do jardim. Aquele, o…tu sabes.
Lembro-me mas vou-me lembrando
cada vez com menos força. Sempre que volto aos assuntos do passado é como se
perdesse uma parte, como se o tudo fosse caíndo aos bocados até não ser
nada. Também acontece contigo? Então deve ser por isso que há coisas de que não
nos conseguimos lembrar. E quando ninguém se lembrar seja do que for essa coisa
desaparece. Não morre porque deixa de
ser lembrada e quando uma coisa deixa de ser lembrada deixa simplesmente
de existir. Nunca aconteceu.
A morte é como aquela gaja que
namorou contigo há muitos anos. Aquela…a que depois casou com o…aquele, tu
sabes. É diferente, tem textura, faz sofrer, impõe-se, deixa marca.
Mas nós não. Nós vamo-nos
lembrando de cada vez menos coisas, a vida vai perdendo bocados como nós. E
daqui a nada nem uma voz perguntará sobre quem fomos ou hesitará em pedir os
nossos nomes a um interlocutor dando pistas difusas de partes das nossas vidas.
Daqui a nada será como se nada
tivesse acontecido…a nossa vida, as nossas dores e as nossas alegrias. Outras
gerações nos sucederão iludidas da sua imortalidade, condenadas a deixar de ser
recordadas. E não vejo mal nenhum nisso. Como dizia aquele gajo…o que morreu
ainda novo com….tu sabes,meu…
Artur
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