Estamos a viver tempos que só não
lhes chamaria estranhos na medida em que se inscrevem na ordem repetitiva da
História. Tudo acaba por se repetir embora nunca da mesma forma. Em espiral
(ascendente ou descendente depende do ponto de vista). E não é preciso avaliar
os acontecimentos à lupa para deles conseguir obter uma visão mais ou menos
transparente, para encontrar atrás do folclore, do circo propagandístico em que
se transformou a comunicação social, uma outra realidade, uma outra
intencionalidade quanto à forma como se pretende que as populações pensem. Há
nos últimos tempos duas referências que me chamam demasiado a atenção para não
conseguir ficar calado. São elas o assassinato do ex espião russo em Inglaterra
e a prisão de dirigentes catalães acusados do crime de sedição (incitação à
rebelião, levantamento popular). Denominadores comuns das duas situações, a
ignorância estimulada e a desagregação de um império.
Na Catalunha aguarda-se a próxima
colecção de disparates. Puidgemont foi demasiado depressa demasiado longe,
Rajoy utilizou a força excessiva e desadequada, o rei escondeu-se atrás do
chefe do governo em vez de assumir as suas responsabilidades de chefe do estado,
logo, elemento agregador, árbitro, moderador de conflitos. Nesta história onde
não há heróis, apenas incompetentes, uma questão política que só poderá ter um
desenvolvimento e uma conclusão política foi tratada (e mal) como uma questão
judicial; um sentimento de autonomia e independência foi transformado numa
afronta directa à potência ocupante sem recursos para a resposta musculada; a
instituição de onde se reconhece a postura de equilíbrio e ponderação das
décadas anteriores (aquela que conduziu o processo de transição democrático e
que o reafirmou quando Tejero Molina ocupou o Parlamento, que encerrou os
tempos negros da luta armada da ETA, que mandou calar ditadores em directo em
cimeiras internacionais, e que , por fim tornou a Espanha num estado soberano
democrático e europeu aos olhos do mundo) é hoje uma sombra daquilo que foi.
Aguarda-se a próxima sucessão de
disparates, dizia eu. Os dirigentes catalães estão detidos não pelo crime de
sedição (que a meu ver não cometeram) mas sim por crime de pensamento. Nessa
linha Rajoy vai ter que prender mais alguns milhões de catalães que votaram
favoravelmente no referendo que previa a possibilidade da independência catalã.
E os independentistas? O que é que se
segue? A revolta armada? Porque com o regresso de conceitos como "presos
políticos", "exílio", etc, daqui a não muito tempo já não
estamos a falar num estado democrático. Porquê? Porque num estado democrático é
suposto aceitar as opiniões divergentes, é suposto dialogar, negociar,
encontrar compromissos. A última vez que uma situação semelhante teve lugar em
Espanha os guerrilheiros da ETA eram condenados à morte pelo garrote e o carro
de um primeiro ministro voava à altura de quatro andares num atentado
terrorista. E agora Filipe VI? Qual é a Espanha que sua majestade está
preparado para dirigir? A continuação do legado do seu pai, uma nova guerra
entre os seus súbditos ou o regresso aos tempos negros do franquismo? A União
Europeia também tem uma palavra a dizer sobre a crise da Catalunha. Ainda
ninguém percebeu é qual…
E por fim uma palavra de desagrado
para o PSOE e de certa forma toda a esquerda espanhola que neste processo ou
assobiou para o lado ou se escondeu atrás dos acontecimentos em segundo plano. Espanha
é um estado composto de várias nações e é no equilíbrio, no diálogo e no
compromisso que assenta a sua vitalidade. Ignorar a identidade cultural,
linguística, ignorar a diferença para impôr a autoridade das botas da polícia,
dizem os ventos da História, acaba sempre mal.
Por fim o assassinato de um ex
espião russo em solo inglês. A histeria do ocidente a expulsar diplomatas
russos. Uma história muito mal contada, a fazer lembrar as armas de destruição
maciça do Iraque que afinal não existiam. Uma primeiro ministro britânica a
tratar do Brexit com a delicadeza de um elefante numa loja de louças que diz
que foram os russos mas insiste em não apresentar provas com o coro e a
aprovação do império em declínio que viu furados os seus planos para tomar
conta da Síria e que vai assistindo à perda da hegemonia isolada no mundo com a
ascensão de novas potências a descartar o dólar enquanto moeda de referência
nas transacções petrolíferas. Nada tenho contra ou a favor de Putin, não mora
perto de mim. Mas já quanto aos Estados Unidos e Inglaterra, assusta-me ver os
destinos destas duas grandes nações nas mãos de incompetentes em estado de
negação. Lembram-se da I Guerra Mundial? Começou porque um Arquiduque foi
assassinado. A partir daí, de erro em erro a Europa mergulhou numa das suas
mais negras noites em que milhões se mataram alegremente para nada. No fim quem
é que ganhou alguma coisa com isso? Bancos e conglomerados económicos. É
preciso pensar duas e três vezes de cada vez que as notícias são despejadas em
cima de nós. Já repararam que as estações de "informação"dizem todas
a mesma coisa sem diferenças que se vejam? Que as notícias são bombardeadas
vindas do nada até à exaustão e depois desaparecem? Hoje só se fala de
amendoins, daqui a um mês só existem melões. Ao crimethought (conceito orwelliano de crime de pensamento) dos
catalães juntamos o pensamento
monolítico de verdade variável. E toda esta conjugação, todo este cenário nos
vai afastando quer da realidade quer da nossa natureza. Ao aceitarmos como
naturais as atrocidades do passado, ao entendermos como inevitável a destruição
e o cataclismo humano, ao sermos carneiros entregues aos lobos para que nos
devorem. Os ventos da História sopram sempre mais do que uma vez. E nunca
mentem.
Artur
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