Os jantares de amigos podem ter os desfechos mais inesperados que a própria imaginação não
consegue descortinar. Nos primórdios, quando o sangue é quente e a adrenalina abunda pode haver uma total amnésia na
manhã seguinte, uma traulitada a mais na chapa do carro sem se conseguirperceber bem como aconteceu ou um encontro desconfortável com a autoridade a
caminho de casa. No caso concreto de hoje, o encontro entre cinquentões
companheiros de colégio interno deu-se num ambiente informal embora bastante
discreto de um restaurante antigo pertencente a um dos ramos das Forças
Armadas. E quando digo formal estou-me a lembrar de que um dos convivas era o
próprio director do colégio. Mais do que a importância dos temas abordados é a
camaradagem e o prazer da companhia dos parceiros de juventude que impera sobre
a mesa. Recordar o tempo vivido em comum, os professores, os episódios
caricatos, fazer comparações com o tempo presente. Mas não vos vou maçar com
histórias de cinquentões que frequentaram a mesma escola juntos até ao final da
adolescência. No fim, três de nós acabámos por seguir no mesmo carro. Parados
num sinal perto da Casa da Moeda vi o local exacto onde se deu uma cena de uma
série da minha juventude. Disse para os outros: "Aqui há uma cena do ZÉ
GATO com o António Assunção a fazer de chulo infiltrado. Alguém se
lembra?" Dois minutos depois havia três alminhas a cantar o genérico da
série sem falhar uma parte da letra. De repente voltávamos a ser adolescentes fascinados com este agente da Judiciária, das suas cambalhotas contra o crime e de um mundo de actores que deram corpo a uma das primeiras ficções para televisão neste género. Era um tempo em que a Democracia
dava os seus primeiros passos e a RTP2 procurava a sua autonomia de conteúdos.
Zé Gato era um gajo normalíssimo de bigode, um anti herói que combatia ladrões,
traficantes e bandidagem em geral. Umas vezes com inteligência, outras à força
de porrada. Não era nenhum craque ianque com piadas adequadas que vencia sempre
no fim nem um gajo de leste com tiradas patrióticas em tudo o que fazia. Era um
dos nossos, um membro da família. Um dos actores, o Luis Lello, aqui a fazer o
personagem de "Matrículas", era o informador do Zé Gato. Prematuramente
desaparecido ficou também imortalizado no KILAS, O MAU DA FITA de Fonseca e
Costa no papel de Tereno. Na tenra juventude tinha namorado uma tia minha. Mais
tarde vim a saber que tinha estudado no mesmo colégio que nós o que o fazia
logo à cabeça nosso familiar. E voltámos a cantar a música do genérico. Nos
anos 90 no "Johny Guitar", estava eu a cantarolar esta música quando
uma voz atrás de mim me diz: "Essa fui eu que escrevi…" Era o Jorge
Palma. Na minha profissão tive um colega (hoje já reformado) que era primo
direito do realizador, Rogério Ceitil. E se perdêssemos mais algum tempo a
escalpelizar as várias linhas entre os nossos destinos e os dos que compunham a
série julgo que ainda encontraríamos mais algumas ligações. O (nosso) mundo é
definitivamente um lugar pequeno que aproxima pessoas que nunca se conheceram à
distância de um familiar. Como
adolescentes a série marcou-nos imenso na medida em que foi um primeiro
contacto com a ficção nacional no género policial. Enquanto produção pioneira
foi o começo para outras aventuras como DUARTE E COMPANHIA. Numa nova sociedade
em construção o agente da Judiciária com mau feitio e sem grandes caganças
tentava sobreviver dentro do sistema corrigindo aquilo que podia com alguma
eficácia.
Basicamente
foi um momento que marcou uma geração e, pelos vistos com alguma profundidade.
Caso contrário far-se-ia a pergunta : "Porque é que três gajos com idade
para ter juízo cantam à meia noite dentro de um carro? O que é que os faz
correr pelos cantos mais escuros da memória..?"
foi um momento que marcou uma geração e, pelos vistos com alguma profundidade.
Caso contrário far-se-ia a pergunta : "Porque é que três gajos com idade
para ter juízo cantam à meia noite dentro de um carro? O que é que os faz
correr pelos cantos mais escuros da memória..?"
Artur
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