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sábado, 31 de março de 2018
quinta-feira, 29 de março de 2018
quarta-feira, 28 de março de 2018
terça-feira, 27 de março de 2018
OS VENTOS DA HISTÓRIA NUNCA MENTEM
Estamos a viver tempos que só não
lhes chamaria estranhos na medida em que se inscrevem na ordem repetitiva da
História. Tudo acaba por se repetir embora nunca da mesma forma. Em espiral
(ascendente ou descendente depende do ponto de vista). E não é preciso avaliar
os acontecimentos à lupa para deles conseguir obter uma visão mais ou menos
transparente, para encontrar atrás do folclore, do circo propagandístico em que
se transformou a comunicação social, uma outra realidade, uma outra
intencionalidade quanto à forma como se pretende que as populações pensem. Há
nos últimos tempos duas referências que me chamam demasiado a atenção para não
conseguir ficar calado. São elas o assassinato do ex espião russo em Inglaterra
e a prisão de dirigentes catalães acusados do crime de sedição (incitação à
rebelião, levantamento popular). Denominadores comuns das duas situações, a
ignorância estimulada e a desagregação de um império.
Na Catalunha aguarda-se a próxima
colecção de disparates. Puidgemont foi demasiado depressa demasiado longe,
Rajoy utilizou a força excessiva e desadequada, o rei escondeu-se atrás do
chefe do governo em vez de assumir as suas responsabilidades de chefe do estado,
logo, elemento agregador, árbitro, moderador de conflitos. Nesta história onde
não há heróis, apenas incompetentes, uma questão política que só poderá ter um
desenvolvimento e uma conclusão política foi tratada (e mal) como uma questão
judicial; um sentimento de autonomia e independência foi transformado numa
afronta directa à potência ocupante sem recursos para a resposta musculada; a
instituição de onde se reconhece a postura de equilíbrio e ponderação das
décadas anteriores (aquela que conduziu o processo de transição democrático e
que o reafirmou quando Tejero Molina ocupou o Parlamento, que encerrou os
tempos negros da luta armada da ETA, que mandou calar ditadores em directo em
cimeiras internacionais, e que , por fim tornou a Espanha num estado soberano
democrático e europeu aos olhos do mundo) é hoje uma sombra daquilo que foi.
Aguarda-se a próxima sucessão de
disparates, dizia eu. Os dirigentes catalães estão detidos não pelo crime de
sedição (que a meu ver não cometeram) mas sim por crime de pensamento. Nessa
linha Rajoy vai ter que prender mais alguns milhões de catalães que votaram
favoravelmente no referendo que previa a possibilidade da independência catalã.
E os independentistas? O que é que se
segue? A revolta armada? Porque com o regresso de conceitos como "presos
políticos", "exílio", etc, daqui a não muito tempo já não
estamos a falar num estado democrático. Porquê? Porque num estado democrático é
suposto aceitar as opiniões divergentes, é suposto dialogar, negociar,
encontrar compromissos. A última vez que uma situação semelhante teve lugar em
Espanha os guerrilheiros da ETA eram condenados à morte pelo garrote e o carro
de um primeiro ministro voava à altura de quatro andares num atentado
terrorista. E agora Filipe VI? Qual é a Espanha que sua majestade está
preparado para dirigir? A continuação do legado do seu pai, uma nova guerra
entre os seus súbditos ou o regresso aos tempos negros do franquismo? A União
Europeia também tem uma palavra a dizer sobre a crise da Catalunha. Ainda
ninguém percebeu é qual…
E por fim uma palavra de desagrado
para o PSOE e de certa forma toda a esquerda espanhola que neste processo ou
assobiou para o lado ou se escondeu atrás dos acontecimentos em segundo plano. Espanha
é um estado composto de várias nações e é no equilíbrio, no diálogo e no
compromisso que assenta a sua vitalidade. Ignorar a identidade cultural,
linguística, ignorar a diferença para impôr a autoridade das botas da polícia,
dizem os ventos da História, acaba sempre mal.
Por fim o assassinato de um ex
espião russo em solo inglês. A histeria do ocidente a expulsar diplomatas
russos. Uma história muito mal contada, a fazer lembrar as armas de destruição
maciça do Iraque que afinal não existiam. Uma primeiro ministro britânica a
tratar do Brexit com a delicadeza de um elefante numa loja de louças que diz
que foram os russos mas insiste em não apresentar provas com o coro e a
aprovação do império em declínio que viu furados os seus planos para tomar
conta da Síria e que vai assistindo à perda da hegemonia isolada no mundo com a
ascensão de novas potências a descartar o dólar enquanto moeda de referência
nas transacções petrolíferas. Nada tenho contra ou a favor de Putin, não mora
perto de mim. Mas já quanto aos Estados Unidos e Inglaterra, assusta-me ver os
destinos destas duas grandes nações nas mãos de incompetentes em estado de
negação. Lembram-se da I Guerra Mundial? Começou porque um Arquiduque foi
assassinado. A partir daí, de erro em erro a Europa mergulhou numa das suas
mais negras noites em que milhões se mataram alegremente para nada. No fim quem
é que ganhou alguma coisa com isso? Bancos e conglomerados económicos. É
preciso pensar duas e três vezes de cada vez que as notícias são despejadas em
cima de nós. Já repararam que as estações de "informação"dizem todas
a mesma coisa sem diferenças que se vejam? Que as notícias são bombardeadas
vindas do nada até à exaustão e depois desaparecem? Hoje só se fala de
amendoins, daqui a um mês só existem melões. Ao crimethought (conceito orwelliano de crime de pensamento) dos
catalães juntamos o pensamento
monolítico de verdade variável. E toda esta conjugação, todo este cenário nos
vai afastando quer da realidade quer da nossa natureza. Ao aceitarmos como
naturais as atrocidades do passado, ao entendermos como inevitável a destruição
e o cataclismo humano, ao sermos carneiros entregues aos lobos para que nos
devorem. Os ventos da História sopram sempre mais do que uma vez. E nunca
mentem.
Artur
segunda-feira, 19 de março de 2018
THE MASS ORNAMENT - SIEGFRIED KRACAUER
The Mass Ornament . Weimar Essays, Siegfried
Kracauer Siegfried Kracauer; translated by Thomas Y. Levin.-London : Harvard
University Press, 1995
Na introdução à versão
norte-americana de “Das Ornament der Masse”, Thomas Levin chama a atenção para
uma metodologia programática presente na secção de abertura do ensaio com o mesmo
título, datado de 1927, na qual Kracauer enuncia o modo como a insignificância
dos artefactos quotidianos os capacita para se tornarem índices ou sintomas de
condições históricas específicas:
“A
posição que uma época ocupa no processo histórico pode ser determinada com
maior rigor a partir de uma análise de expressões inconspícuas ao nível
superficial do que a partir dos juízos que essa época produz a propósito de si
mesma. Já que esses juízos são expressões de tendências de uma era particular,
não oferecem testemunho conclusivo sobre a sua constituição geral. Pelo
contrário, as expressões ao nível superficial, em virtude da sua natureza
inconsciente, providenciam acesso não mediado à substância fundamental do
estado das coisas. Correlativamente, o conhecimento do estado das coisas
depende da interpretação dessas expressões de nível superficial. A substância
fundamental de uma época e dos seus impulsos desapercebidos iluminam-se
reciprocamente”.
Como se entende este programa e
quais as suas consequências no esquema interpretativo desenvolvido por Kracauer
ao longo dos ensaios que constituem esta colectânea ? Noutros termos, como é que o domínio da realidade empírica –
e em particular as suas superfícies, previamente rejeitadas como reino do vazio
e da ausência – veio a assumir um papel tão central no pensamento de Kracauer ?
Cremos que tal se deve a uma alteração radical da compreensão da filosofia da
história, fruto de um longo diálogo com Walter Benjamin e
Theodor Adorno, que redunda na substituição de um modelo histórico estático
como queda ou declínio por uma concepção da história como processo de
desencanto e de antagonismo entre as forças da natureza e as da razão. Por
outro lado, o estudo sobre as novelas detectivescas revela uma combinação dos
seus interesses filosóficos iniciais com a investigação da cultura de massas;
ostensivamente um estudo sobre a acção detectivesca, esse ensaio conhece uma
dívida para com a obra de Kierkegaard, cujo modelo de esferas interrelacionadas (estética, ética e religiosa) foi apropriado
por Kracauer. Esta importação de Kierkegaard
só aparentemente é arcaica; tal como Hannah Arendt comentou a Anson
Rabinbach (“In The Shadow of
Catastrophe: German Intelectuals Between Apocalypse And Enlightment”), depois
da I Guerra Kierkegaard era o filósofo do dia. Que razão dita a profunda influência de um pensador tão
intensamente cristão em intelectuais de confissões religiosas diferentes é uma
questão que não pode ser respondida aqui, bastando que fiquemos com a ideia de
que o pensamento de Kierkegaard
configurou a noção de vocação crítica desenvolvida por Kracauer e que
esse pensamento oferece um enquadramento trágico para a agenda
político-cultural de Kracauer durante o período de Weimar.
No que ao cinema diz respeito,
Kracauer é sobretudo conhecido pela obra “From Caligari To Hitler : A
Psychological History Of The German Cinema” de 1947, na qual apresentava uma história do
cinema alemão dos anos entre as guerras mundiais, argumentando que os seus
temas reflectiam as condições psicológicas e sociais que conduziram ao nazismo,
e também pelo livro “Theory of Film: The Redemption of Physical Reality” (1960),
no qual assume a noção chave que subjaz à sua conceptualização de estética
cinematográfica “material”: o cinema é
essencialmente uma extensão da fotografia, partilhando com esse médium uma
marcante afinidade com o mundo físico e visível que nos rodeia. O cinema
torna-se ele próprio quando regista e revela a realidade física. Apesar da importância capital destas duas
obras, acreditamos que elas estão longe de sintetizar todo o pensamento
cinematográfico de Kracauer, sendo justamente nos ensaios dos anos 20 aqui
coligidos que podemos encontrar as perspectivas, antevisões e visões
prospectivas que hão-de configurar as teorizações posteriores, conferindo-lhes
um sentido e uma lógica interna que, de certo modo, as tornou um cânone.
Assim, a estética do cinema construída
por três dos mais importantes pensadores
do século XX – Theodor Adorno, Walter Benjamin e Sigfried Kracauer, abre a
possibilidade de pensar a experiência da modernidade sob a perspectiva de uma
crítica filosófica que opera a partir da
arte e dos meios de comunicação de massas.
Habitualmente, a maioria dos trabalhos no domínio da teoria crítica sobre
a temática da arte, da tecnologia e da cultura de massas reduzem o campo
problemático a uma caracterização da indústria cultural de Adorno e Max
Horkheimer como pessimista e elitista oposta ao optimismo tecnológico que
Benjamin desenvolveu no ensaio “A Obra
de Arte na Época da Sua Reprodutibilidade Mecânica”. É neste contexto que se revela a importância
fulcral da obra de Siegfried Kracauer , autor central para fundar e discutir ao mesmo tempo uma teoria do cinema.
Os escritos coligidos neste volume, cujo
significativo subtítulo “Weimar Essays” remete imediatamente para uma época
histórica e as suas determinações, para
além de críticas de cinema, são constituídos por recensões de novelas
detectivescas e literatura de divulgação, textos sobre o circo, a cidade, o
desporto, o teatro, entre outros) e manifestam exuberantemente a intenção de
desenvolver uma estética cinematográfica a partir de uma perspectiva da
modernidade. Ao longo da obra torna-se evidente uma outra translação muito
significativa do pensamento de Kracauer: a compreensão pessimista da
modernidade, que compartilha com Max Weber e Georg Simmel, entre outros, que afirma a privação humana de um horizonte
de experiência que permitiria aos homens conferir sentido aos processos
relacionados com a técnica, a ciência e a economia capitalista, evolui para uma
curiosidade astuta em relação aos fenómenos da vida moderna, em particular, a
cultura de massas. O objectivo passa a
ser, não o fundamento de uma noção expandida de modernismo estético, mas
relacionar a fotografia e o cinema com aquilo que, para o autor, define o
século XX : a produção, o consumo e a emergente sociedade de massas. Se
quisermos levar mais longe e aprofundar o contraste com o pensamento de Walter
Benjamin, diremos que, onde Benjamin via o esvaziamento do tradicional sentido
aurático como algo de positivo que poderia libertar as
massas de qualquer tendência de queda no totalitarismo (nazi ou fascista),
Kracauer acreditava que a modernidade representava “um esvaziamento de sentido,
uma bifurcação do ser e da verdade” (Thomas Levin “Introduction”). Portanto, ao
contrário de Benjamin, Kracauer descreve o modo como a ascensão das massas
mediatizadas é acompanhada pelo esvaziamento de sentido – um esvaziamento
impulsionado pelos valores capitalistas que competem com e minam as formas
não-fetichizadas de conferir poder às massas.
Arnaldo Mesquita
sexta-feira, 16 de março de 2018
sexta-feira, 9 de março de 2018
quinta-feira, 8 de março de 2018
segunda-feira, 5 de março de 2018
sábado, 3 de março de 2018
quinta-feira, 1 de março de 2018
LAÇOS DE FAMÍLIA
Os jantares de amigos podem ter os desfechos mais inesperados que a própria imaginação não
consegue descortinar. Nos primórdios, quando o sangue é quente e a adrenalina abunda pode haver uma total amnésia na
manhã seguinte, uma traulitada a mais na chapa do carro sem se conseguirperceber bem como aconteceu ou um encontro desconfortável com a autoridade a
caminho de casa. No caso concreto de hoje, o encontro entre cinquentões
companheiros de colégio interno deu-se num ambiente informal embora bastante
discreto de um restaurante antigo pertencente a um dos ramos das Forças
Armadas. E quando digo formal estou-me a lembrar de que um dos convivas era o
próprio director do colégio. Mais do que a importância dos temas abordados é a
camaradagem e o prazer da companhia dos parceiros de juventude que impera sobre
a mesa. Recordar o tempo vivido em comum, os professores, os episódios
caricatos, fazer comparações com o tempo presente. Mas não vos vou maçar com
histórias de cinquentões que frequentaram a mesma escola juntos até ao final da
adolescência. No fim, três de nós acabámos por seguir no mesmo carro. Parados
num sinal perto da Casa da Moeda vi o local exacto onde se deu uma cena de uma
série da minha juventude. Disse para os outros: "Aqui há uma cena do ZÉ
GATO com o António Assunção a fazer de chulo infiltrado. Alguém se
lembra?" Dois minutos depois havia três alminhas a cantar o genérico da
série sem falhar uma parte da letra. De repente voltávamos a ser adolescentes fascinados com este agente da Judiciária, das suas cambalhotas contra o crime e de um mundo de actores que deram corpo a uma das primeiras ficções para televisão neste género. Era um tempo em que a Democracia
dava os seus primeiros passos e a RTP2 procurava a sua autonomia de conteúdos.
Zé Gato era um gajo normalíssimo de bigode, um anti herói que combatia ladrões,
traficantes e bandidagem em geral. Umas vezes com inteligência, outras à força
de porrada. Não era nenhum craque ianque com piadas adequadas que vencia sempre
no fim nem um gajo de leste com tiradas patrióticas em tudo o que fazia. Era um
dos nossos, um membro da família. Um dos actores, o Luis Lello, aqui a fazer o
personagem de "Matrículas", era o informador do Zé Gato. Prematuramente
desaparecido ficou também imortalizado no KILAS, O MAU DA FITA de Fonseca e
Costa no papel de Tereno. Na tenra juventude tinha namorado uma tia minha. Mais
tarde vim a saber que tinha estudado no mesmo colégio que nós o que o fazia
logo à cabeça nosso familiar. E voltámos a cantar a música do genérico. Nos
anos 90 no "Johny Guitar", estava eu a cantarolar esta música quando
uma voz atrás de mim me diz: "Essa fui eu que escrevi…" Era o Jorge
Palma. Na minha profissão tive um colega (hoje já reformado) que era primo
direito do realizador, Rogério Ceitil. E se perdêssemos mais algum tempo a
escalpelizar as várias linhas entre os nossos destinos e os dos que compunham a
série julgo que ainda encontraríamos mais algumas ligações. O (nosso) mundo é
definitivamente um lugar pequeno que aproxima pessoas que nunca se conheceram à
distância de um familiar. Como
adolescentes a série marcou-nos imenso na medida em que foi um primeiro
contacto com a ficção nacional no género policial. Enquanto produção pioneira
foi o começo para outras aventuras como DUARTE E COMPANHIA. Numa nova sociedade
em construção o agente da Judiciária com mau feitio e sem grandes caganças
tentava sobreviver dentro do sistema corrigindo aquilo que podia com alguma
eficácia.
Basicamente
foi um momento que marcou uma geração e, pelos vistos com alguma profundidade.
Caso contrário far-se-ia a pergunta : "Porque é que três gajos com idade
para ter juízo cantam à meia noite dentro de um carro? O que é que os faz
correr pelos cantos mais escuros da memória..?"
foi um momento que marcou uma geração e, pelos vistos com alguma profundidade.
Caso contrário far-se-ia a pergunta : "Porque é que três gajos com idade
para ter juízo cantam à meia noite dentro de um carro? O que é que os faz
correr pelos cantos mais escuros da memória..?"
Artur
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