quarta-feira, 16 de novembro de 2011

MIDNIGHT IN PARIS


Woody Allen

EUA, Espanha, 2011



Hemingway achava entediante escrever sobre a América. Para ele tudo o que tinha realmente interesse estava situado no continente europeu. A tarefa de escrever sobre o seu país natal ficava para Scott Fitzgerald. Por outro lado, a crítica americana nunca se entendeu com Woody Allen (ou Cassavettes) ao contrário da sua congénere europeia. Sendo um produto perfeito da cultura americana, a obra de Woody Allen não se inscreve no entanto na parte dominante que a essa mesma cultura diz respeito. Fundamentalmente, e nunca deixando de ser americanos, o que os dois autores evidenciam é, para além de uma enorme admiração pela cultura europeia, uma consciência do fenómeno cultural a uma escala global. E essa quebra das barreiras do entendimento pode ser extensível à própria forma como o criador entende o seu tempo, os outros tempos, buscando aqui e ali o seu espaço de cumplicidade com aqueles que, não estando, estão sempre. E à meia-noite, se estivermos no lugar certo em Paris, ao toque dos sinos estaremos a embarcar para um Peugeot dos anos 20 a caminho de uma festa com todos aqueles que admiramos. E é isso que acontece neste filme, onde a realidade, a comédia, o sarcasmo e a ironia se entrelaçam subtilmente.
Fazendo a viagem inversa de A ROSA PÚRPURA DO CAIRO, em que os personagens de um filme saltavam da tela para a realidade, neste caso é a própria realidade que troca de roupa e se veste como há 90 anos atrás. Gil (Owen Wilson) é um argumentista bem sucedido em Hollywood que quer tornar-se escritor. Aproveitando uma viagem com a sua noiva (Inez) a Paris, sonha com a possibilidade de se fixarem naquela cidade. Uma mansarda com clarabóia, os mercados de rua e a nostalgia dos seus criadores preferidos marcam um fascínio que em nada é acompanhado por ela. Inez personifica a América saloia e endinheirada, de fascínio instantâneo e imediatamente esquecido. Uma menina mimada que na primeira oportunidade aproveita para se envolver com um antigo colega da Faculdade, um pedante que sabe sobre tudo e mais alguma coisa, mesmo quando não sabe. Aí está a parábola da relação do realizador com o público americano atrás referida… Gil é Woody Allen, representa como ele, e torna-se o lado fraco do filme na medida em que não corresponde em termos comportamentais à expectativa apaixonada do escritor que pretende ser. É demasiado passivo, neurótico, demasiado deslumbrado com o passado, pouco seguro de si para um argumentista de sucesso na indústria cinematográfica. Carla Bruni tem um aparição interessante, nem muito forçada nem exagerada. A sua presença é bastante agradável e cumpre na plenitude a sua função de actriz secundária.
Cole Porter, Fitzgerald (Scott e Zelda), Picasso, Hemingway, Gertrude Stein, Dali, e muitos outros, apresentam-se como uma selecção dos anos 20, cada um com a sua característica, mais de apresentação formal do que de realidade humana. Assim como Paris se apresenta mais na sua qualidade de postal turístico do que de uma realidade urbana mais crua. Mas nada disso afecta o espírito do filme, antes pelo contrário. Ao embarcar para uma realidade fora da nossa realidade, o realizador convida-nos a visitar um lugar mais idealizado do que experienciado, ou vivido. E essa dimensão corporiza-se em Amanda, inicialmente amante de Picasso, por quem Gil acaba por se apaixonar. Enquanto Gil é fascinado pelos anos 20, onde tudo aconteceu, Amanda tem exactamente a mesma opinião sobre a “Belle Époque”, o tempo em que terminava o século XIX e o XX começava. Nesse tempo, em pleno Moulin Rouge, Gil e Amanda despedem-se depois de perceberem que é impossível ficarem juntos. Mesmo noutros tempos, ou em tempos idealizados não há finais felizes. E não há porque as pessoas sonham com o que não têm, idealizam o que não viveram, com toda a injustiça que essa atitude acarreta.
De volta ao seu tempo, Gil termina o seu noivado com Inez e decide que vai ficar a morar em Paris. No ar fica um possível encontro com a vendedora de discos antigos (Cole Porter) no mercado de rua.
Midnight em Paris deve ser visto mais como um encontro entre amigos, uma reunião de companheiros dos mesmos ideais. Uma ternura dividida com os espectadores europeus que sempre se mantiveram e mantêm fiéis ao génio deste realizador.

Artur

5 comentários:

Hélder Martins disse...

Quando eu era mais puto do que sou agora, e de cinema sabia muito de Looney Toones e nada mais, vi umas fotografias numa revista da minha mãe, de um tipo de ar alucinado e de óculos de aro de tartaruga, completamente descontextualizados do cenário e do guarda-roupa. Chamaram de tal forma a minha atenção que nunca mais me esqueci delas. A arte é originalidade, génio e invenção. Woody Allen é sem dúvida diferente e igual só a ele próprio. Viva a diferença!
Abraço!

Artur Guilherme Carvalho disse...

E deste filme, gostaste? Abraço.

Anónimo disse...

Filme brilhante! Um delírio! Para mim ganhava os "oscares" todos! Carlos Lopes

Clarice disse...

Um dos filmes do Woody que mais tem dele...
Adorei!
beijo Artur:)

Artur Guilherme Carvalho disse...

É bom saber que partilhamos o gosto pelo Woody e por este ultimo filme dele. Carlos e Clarice. Beijos e abraços