segunda-feira, 6 de junho de 2011

ENTRE CÃO E AVE




Já olhei para este quadro de Paula Rego centenas de vezes, sempre com um misto de angústia e inquietude, incapaz de o decifrar, ou temendo interpretá-lo como ele aparece na sua terrível fulguração. É uma figura humana (uma mulher ? uma rapariga ?) cujo esgar lembra inequivocamente o de um cão que arreganha ameaçadoramente a dentadura, garras fixas no solo como se estivesse a ponto de dar um salto e abocanhar uma presa ou um pedaço de comida. As pernas/patas de trás retesam-se para esse impulso ameaçador e agressivo. E, de repente, não; o cão quer voar, ser uma ave, talvez uma ave de rapina, uma majestosa águia, um mortífero e veloz falcão, e não consegue descolar do solo. Se alguma vez o conseguisse, não passaria de uma ridícula galinha ou uma desastrada avestruz (sendo que a patada da avestruz em desespero pode matar um leão). Isto, esta coisa, este ente, esta figura de cão que quer voar e não pode, somos nós, os portugueses, amarrados a um destino que não escolhemos, vítimas dos crimes,da ganância e da negligência dos vultos sombrios que nos governaram e doutros, daqueles que se preparam para nos governar. Esta triste figura do cão agachado nas suas quatro patas, castigado pela sua condição, humilhado pela sua impotência, desesperado e incapaz de se ver ao espelho somos nós, os portugueses.





2 comentários:

Artur Guilherme Carvalho disse...

Ao teu post só me resta uma crítica. São muito poucas as vezes que passas por aqui. Parece mal os parceiros do blog elogiarem-se mutuamente. Mas estou-me cag.....para isso. Um grande abraço Mesquita. Volta mais vezes

Hélder disse...

“um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas" Guerra Junqueiro.

Actualíssimo!...
Abraço!