quarta-feira, 15 de abril de 2009

O TIL



Ia no carro com a rádio ligada sem me preocupar com muita coisa quando de lá de dentro me sai esta “pérola” dos TAXI. Em tempo nenhum viajei para uma tarde de Domingo onde havia aulas no dia seguinte e a tristeza dos dias há muito que havia sido apreendida pelas nossas consciências. Viajei para uma “boite” manhosa na Rua Correia Teles, mais concretamente o TIL. Se não conhecíamos os donos, por aqueles dias já éramos grandes amigos deles. Ao TIL viajava todo o tipo de fauna urbana desde putos como nós a marginais, policias, actores, bêbados, vendedores de droga, e tudo o mais que se poderia inventar. Naquela tarde de Domingo o ambiente estava bastante morno e triste, talvez por se estar a chegar a um fim de férias. As cervejas começaram a circular, os namorados a acender, os fumos a esvoaçar e, aos poucos as coisas iam animando. Uma parábola das nossas vidas desenhava-se naquela”matiné” dançante. Conscientes de que pouca ou mesmo nenhuma prenda boa nos poderia sorrir no futuro que se aproximava à nossa frente, havia a grande vantagem de ter vinte anos e a força que isso nos dava para aguentar o que viesse. Havia meio milhão de desempregados antes de começarmos a procurar trabalho, o país devia milhões ao FMI, os políticos chafurdavam na sua eterna e narcísica viagem ao fundo dos seus bolsos, etc. Por outras palavras, a Vida era uma velha pobre e andrajosa que nos acenava desculpas vazias para nos explicar que nela não tínhamos lugar. Dali para a frente era penar e continuar a penar…porque sim.
“Porque sim” para nós era curto, injustificável e, em última análise, um gigantesco absurdo sobre o qual nada conseguíamos perceber. Havia as namoradas, a cerveja e a droga que nos iam aliviando a tensão, desligando por instantes o cabo da consciência, a linha do pensamento. Nesse adormecimento temporário dizíamos à Vida que se fizesse a ela própria porque nós tínhamos mais em que pensar.
Devia faltar pouco para a hora do jantar, para os rostos dos nossos pais, quais estátuas de Buda em templo afegão, olhares no futuro, discurso no sacrifício e distância demasiado larga para poder perceber porque é que aquelas criaturas que tinham gerado eram de uma maneira tão estranha de entender. O eterno problema de comunicação entre deuses e homens.
Devia faltar pouco para a hora do jantar quando já tudo o que era para aquecer tinha atingido o topo da escala do termómetro. De repente começou a tocar esta música aparentemente vazia mas tão inocente que se acendeu qualquer coisa naquela discoteca. Como que previamente ensaiados, saltámos para a pista e dançámos. Dançámos feitos loucos como se aquela fosse a última dança das nossas vidas. Gritávamos a plenos pulmões: “Quem vê TV, sofre mais que no WC”. Casacos voavam no ar atrás das miúdas mais leves. Saltávamos como os homens do Paleolítico faziam em volta da fogueira em frente às paredes previamente desenhadas com figuras de animais e partes anatómicas humanas como uma mão, em véspera de uma grande caçada. Bisontes sob flechas desenhavam-se nas sombras das luzes coloridas, mamutes mortos à palmada, pterodáctilos abatidos à pedrada.
Naquela tarde dançávamos aos gritos como se não houvesse amanhã. À Vida dizíamos que viesse chatear noutra altura. Naquela tarde sabíamos que não tínhamos lugar em lado nenhum. No país atolado de dívidas e fome, no mundo que nos ignorava, na existência que nos condenava pelo simples facto de estarmos vivos.
Mas naquela tarde, ao menos naquela tarde, enquanto durava esta música…nós fomos felizes

ARTUR

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