quinta-feira, 27 de novembro de 2008

CINEMA EUROPEU


(O conceito de Vanguarda)

Para muitos o conceito de “vanguarda” pode não passar de uma referência esquecida no passado, um elemento politicamente desactualizado, ou até mesmo um preciosismo arcaico dos historiadores e sistematizadores das artes em geral. No entanto o vanguardismo, ou os movimentos vanguardistas estiveram sempre presentes ao longo da história do Cinema, contribuindo decisivamente para a sua evolução e confirmação enquanto Arte digna desse nome. Conforme a sucessão dos tempos, o vanguardismo (re)aparece, dando com o seu esforço novas perspectivas de encarar a Arte em geral e o Cinema em particular. Associado aos fenómenos vanguardistas vamos encontrar dois requisitos essenciais: 1) a relação do cinema com as outras formas de expressão artística; 2) a oposição vanguardista a determinadas estéticas políticas (experimentação e abstracção, independência e oposição).
São historicamente considerados movimentos de vanguarda no Cinema Europeu a Montagem Soviética, o Expressionismo alemão e o Impressionismo e Surrealismo franceses. Em cada um deles é reconhecida na sua origem uma relação directa com as outras artes. Se bem que no trabalho de Eisestein e Dziga Vertov a concepção/invenção da Montagem tenha sido fruto da combinação de uma consciência modernista com um momento revolucionário – a revolução Bolchevista de 1917 – esse fenómeno albergou também uma elevada experimentação da Forma associada ao som da poesia Futurista. Em França, o Impressionismo e o Surrealismo primaram pela ausência de impacto político, ao contrário do exemplo anterior, mas nem por isso deixaram de reforçar o Cinema e as suas possibilidades expressivas, dando forma ao conceito wagneriano de Gesamtkunswerk , a forma de sintetizar todas as artes numa só, a do filme, baptizada por Ricciotto Canudo “a sétima arte”.
A ligação entre o Cinema e as outras artes esteve sempre subjacente nas tendências abstractas das vanguardas europeias. Trata-se de uma constatação verificada tanto nos filmes Estruturalistas/Materialistas da década de 1970 como nas mais variadas manifestações do fenómeno do vídeo. Segundo Bruno Corra no seu texto Abstract Cinema – Chromatic Music, o trabalho abstraccionista pode ser referido já entre 1910-12, procurando uma relação estética directa das imagens com a pintura e a musica.
Hans Richter deu-nos provavelmente o melhor resumo do cinema abstracto quando escreveu: “ Os problemas da Arte moderna têm directamente a ver com o Cinema. A ligação ao Teatro e à Literatura foi completamente corroída. O Cubismo, Expressionismo, Dadaísmo, Arte Abstracta e Surrealismo não só encontraram a sua área de expressividade no Cinema, como se enriqueceram a um nível muito mais elevado.”
O silêncio e a especificidade serviram de registo numa primeira fase da vanguarda europeia. Mas toda esta euforia experimental viu o seu ocaso com a chegada do som. Transformando-se em elemento realista decisivo na composição da imagem, o som colidiu directamente com a imposição anti-realista comum às vanguardas. A procura da “especificidade” cinematográfica dividia por uma lado – contrária aos modelos narrativos tradicionais – e sintetizava por outro, referenciando-se aos padrões da pintura e da música. No caso russo, o reforço realista da expressividade das imagens trazido pelo som, além de servir a propaganda estalinista das décadas de 20 e 30, acabou por se integrar na estética do realismo soviético, abandonando assim as suas motivações vanguardistas.
A noção de vanguarda foi sempre baseada numa atitude ora de oposição, ora de independência perante os poderes estabelecidos, fossem eles padrões do cinema, ou linhas políticas institucionalizadas. Nesse sentido foi sempre evidente um esforço de construção e alternativa de um espaço independente de produção, distribuição e exibição.
Assim, encontramos nas décadas de 1960 e 70 uma dupla manifestação desta tendência quando definimos dois tipos de vanguardas no Cinema Europeu. Um orientado para a “política da forma” (politicamente orientada), e outra para a “política da percepção” (formalista). A linha de um movimento europeu de contracultura no cinema, embora tendo as suas origens imediatas nas revoltas políticas de Maio de 68 em França, radica numa muito mais antiga tradição de práticas estéticas e conceptuais de radicalismo e oposição como a dramaturgia de Brecht – a distanciação – ou a redescoberta do cinema soviético na óptica de Vertov ao longo da década de 60. O próprio movimento da Nouvelle Vague em França (depois espalhado pelo mundo) tem o seu início no final da década de 50. Começando como uma atitude de oposição a Hollywood e ao sistema de produção industrial, a Nouvelle Vague assume-se de início enquanto proposta de ruptura estética e formal adquirindo a sua expressividade política mais tarde. Tal como Goddard e Chris Marker em França, Fassbinder e Werner Schroeter na Alemanha, Vera Chytilová na Checoslováquia e Dusan Mankavejev na Jugoslávia experimentam o desafio brechtiano à narrativa transparente contra a hegemonia de Hollywood.
Segue-se uma fase de experimentalismo formal e de independência material que acaba por chegar aos Estados Unidos. Sufragado pelo tempo, ficaram os melhores trabalhos para o estudo do fenómeno vanguardista. Com a chegada do vídeo poder-se-ia pensar num renascimento dos movimentos de vanguarda. No entanto, através de Goddard e Marker o vídeo foi utilizado enquanto um meio de pensar o Cinema bem como de exprimir um relacionamento analítico com a imagem. SANS SOLEIL (83) de Marker e SCÉNARIO DU FILM PASSION (82) de Goddard são dois exemplos representativos desta aplicação da nova tecnologia.
O fenómeno vanguardista valoriza uma expressão internacional que se destaca acima da especificidade de uma cultura nacional, tornando-se assim um elemento de exportação. Na arte em que se desenvolve, através da experimentação, da ruptura ou da oposição política permite abrir caminhos, desenvolver perspectivas, melhorar a expressividade. Sendo um fenómeno mediatista, não é sua vocação estabelecer-se por muito tempo. Aparece quando é preciso mudar de um Tempo para outro. Nesse sentido é como que uma ponte, um elo de ligação na escada evolutiva…
ARTUR

2 comentários:

Carlos Lopes disse...

Grande texto, com sempre. E já agora, dá-me lá a tua opinião sobre o Truffaut. Achas que também foi vanguardista? Como? É que ultimamente tenho andado às voltas com os filmes dele e gostado bastante.

Artur Guilherme Carvalho disse...

Truffaut era o "menino de ouro" daquela geração, entre outras razões porque as suas propostas de filme nunca serem tão radicais como as dos outros. No entanto há na sua obra uma suavidade natural que nos seduz, sendo novidade e alternativa. E muito mais quee agora não cabe aqui. Mais tarde talvez lhe dedique um post. Abraço
ARTUR