sexta-feira, 7 de novembro de 2008

ALBERT - 95 ANOS


“Menos um grau e eis a estranheza; darmo-nos conta de que o mundo é espesso, entrever até que ponto uma pedra é estranha, nos é irredutível, com que intensidade a Natureza, uma única paisagem nos pode negar! No fundo de toda a beleza jaz qualquer coisa de inumano, e essas colinas, a doçura do céu, esses desenhos de árvores, eis que nesse minuto perdem o sentido ilusório de que os revestíamos, agora mais longínquos do que um paraíso perdido. A hostilidade primitiva do mundo, através de milhões de anos, regressa até nós. Durante um segundo, deixamos de compreender esse mundo, visto que durante séculos dele só entendemos as figuras e os desenhos que lá púnhamos antecipadamente, e que de hoje em diante só nos faltam as forças para utilizar tal artifício. O mundo foge-nos porque se transforma nele próprio. Esses cenários mascarados pelo hábito tornam-se naquilo que são. Afastam-se de nós. Tal como há dias em que, sob o rosto familiar de uma mulher, encontramos como uma estranha aquela que amamos há meses ou anos, vamos talvez assim desejar aquilo que de repente nos torna tão sós. Mas o tempo ainda não chegou. Uma só coisa: esta espessura e esta estranheza do mundo – é o absurdo.”

Albert Camus, 7- 11- 1913 - 4 -1- 1960

2 comentários:

Carlos Lopes disse...

Belo texto. Camus fazia cinema por escrito, não achas?

Artur Guilherme Carvalho disse...

A mim, ensinou-me a pensar há já muitos anos. Um Mestre humanista, sem dúvida. Abraço
ARTUR