domingo, 30 de novembro de 2008
sábado, 29 de novembro de 2008
O MAR E A PEDRA
Imagens Artur Guilherme Carvalho; Montagem Jorge Costa; Fotografia Sofia P. Coelho; Musica do album "passion" de Rodrigo Leão; Realização Artur Guilherme Carvalho
Documentário de apoio ao escultor Élio Oliveira na sua próxima exposição O Mar e a Pedra
sexta-feira, 28 de novembro de 2008
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
CINEMA EUROPEU
(O conceito de Vanguarda)
Para muitos o conceito de “vanguarda” pode não passar de uma referência esquecida no passado, um elemento politicamente desactualizado, ou até mesmo um preciosismo arcaico dos historiadores e sistematizadores das artes em geral. No entanto o vanguardismo, ou os movimentos vanguardistas estiveram sempre presentes ao longo da história do Cinema, contribuindo decisivamente para a sua evolução e confirmação enquanto Arte digna desse nome. Conforme a sucessão dos tempos, o vanguardismo (re)aparece, dando com o seu esforço novas perspectivas de encarar a Arte em geral e o Cinema em particular. Associado aos fenómenos vanguardistas vamos encontrar dois requisitos essenciais: 1) a relação do cinema com as outras formas de expressão artística; 2) a oposição vanguardista a determinadas estéticas políticas (experimentação e abstracção, independência e oposição).
São historicamente considerados movimentos de vanguarda no Cinema Europeu a Montagem Soviética, o Expressionismo alemão e o Impressionismo e Surrealismo franceses. Em cada um deles é reconhecida na sua origem uma relação directa com as outras artes. Se bem que no trabalho de Eisestein e Dziga Vertov a concepção/invenção da Montagem tenha sido fruto da combinação de uma consciência modernista com um momento revolucionário – a revolução Bolchevista de 1917 – esse fenómeno albergou também uma elevada experimentação da Forma associada ao som da poesia Futurista. Em França, o Impressionismo e o Surrealismo primaram pela ausência de impacto político, ao contrário do exemplo anterior, mas nem por isso deixaram de reforçar o Cinema e as suas possibilidades expressivas, dando forma ao conceito wagneriano de Gesamtkunswerk , a forma de sintetizar todas as artes numa só, a do filme, baptizada por Ricciotto Canudo “a sétima arte”.
A ligação entre o Cinema e as outras artes esteve sempre subjacente nas tendências abstractas das vanguardas europeias. Trata-se de uma constatação verificada tanto nos filmes Estruturalistas/Materialistas da década de 1970 como nas mais variadas manifestações do fenómeno do vídeo. Segundo Bruno Corra no seu texto Abstract Cinema – Chromatic Music, o trabalho abstraccionista pode ser referido já entre 1910-12, procurando uma relação estética directa das imagens com a pintura e a musica.
Hans Richter deu-nos provavelmente o melhor resumo do cinema abstracto quando escreveu: “ Os problemas da Arte moderna têm directamente a ver com o Cinema. A ligação ao Teatro e à Literatura foi completamente corroída. O Cubismo, Expressionismo, Dadaísmo, Arte Abstracta e Surrealismo não só encontraram a sua área de expressividade no Cinema, como se enriqueceram a um nível muito mais elevado.”
O silêncio e a especificidade serviram de registo numa primeira fase da vanguarda europeia. Mas toda esta euforia experimental viu o seu ocaso com a chegada do som. Transformando-se em elemento realista decisivo na composição da imagem, o som colidiu directamente com a imposição anti-realista comum às vanguardas. A procura da “especificidade” cinematográfica dividia por uma lado – contrária aos modelos narrativos tradicionais – e sintetizava por outro, referenciando-se aos padrões da pintura e da música. No caso russo, o reforço realista da expressividade das imagens trazido pelo som, além de servir a propaganda estalinista das décadas de 20 e 30, acabou por se integrar na estética do realismo soviético, abandonando assim as suas motivações vanguardistas.
A noção de vanguarda foi sempre baseada numa atitude ora de oposição, ora de independência perante os poderes estabelecidos, fossem eles padrões do cinema, ou linhas políticas institucionalizadas. Nesse sentido foi sempre evidente um esforço de construção e alternativa de um espaço independente de produção, distribuição e exibição.
Assim, encontramos nas décadas de 1960 e 70 uma dupla manifestação desta tendência quando definimos dois tipos de vanguardas no Cinema Europeu. Um orientado para a “política da forma” (politicamente orientada), e outra para a “política da percepção” (formalista). A linha de um movimento europeu de contracultura no cinema, embora tendo as suas origens imediatas nas revoltas políticas de Maio de 68 em França, radica numa muito mais antiga tradição de práticas estéticas e conceptuais de radicalismo e oposição como a dramaturgia de Brecht – a distanciação – ou a redescoberta do cinema soviético na óptica de Vertov ao longo da década de 60. O próprio movimento da Nouvelle Vague em França (depois espalhado pelo mundo) tem o seu início no final da década de 50. Começando como uma atitude de oposição a Hollywood e ao sistema de produção industrial, a Nouvelle Vague assume-se de início enquanto proposta de ruptura estética e formal adquirindo a sua expressividade política mais tarde. Tal como Goddard e Chris Marker em França, Fassbinder e Werner Schroeter na Alemanha, Vera Chytilová na Checoslováquia e Dusan Mankavejev na Jugoslávia experimentam o desafio brechtiano à narrativa transparente contra a hegemonia de Hollywood.
Segue-se uma fase de experimentalismo formal e de independência material que acaba por chegar aos Estados Unidos. Sufragado pelo tempo, ficaram os melhores trabalhos para o estudo do fenómeno vanguardista. Com a chegada do vídeo poder-se-ia pensar num renascimento dos movimentos de vanguarda. No entanto, através de Goddard e Marker o vídeo foi utilizado enquanto um meio de pensar o Cinema bem como de exprimir um relacionamento analítico com a imagem. SANS SOLEIL (83) de Marker e SCÉNARIO DU FILM PASSION (82) de Goddard são dois exemplos representativos desta aplicação da nova tecnologia.
O fenómeno vanguardista valoriza uma expressão internacional que se destaca acima da especificidade de uma cultura nacional, tornando-se assim um elemento de exportação. Na arte em que se desenvolve, através da experimentação, da ruptura ou da oposição política permite abrir caminhos, desenvolver perspectivas, melhorar a expressividade. Sendo um fenómeno mediatista, não é sua vocação estabelecer-se por muito tempo. Aparece quando é preciso mudar de um Tempo para outro. Nesse sentido é como que uma ponte, um elo de ligação na escada evolutiva…
ARTUR
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
terça-feira, 25 de novembro de 2008
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
TERTÚLIA DE NOVEMBRO
No próximo dia 29 (Sábado) pelas 18 horas na Livraria Braço de Prata, a Tertúlia continua, tendo como convidado David Soares.
Escritor e ensaísta, David Soares publicou vários livros de contos, romances e banda desenhada. Neste último registo ganhou duas vezes o prémio de “Melhor Argumentista Nacional”.
Escreveu o romance “A Conspiração dos Antepassados”, sobre o encontro do poeta Fernando Pessoa com o mago Aleister Crowley. O seu último romance, “Lisboa Triunfante” foi editado recentemente pela sua editora habitual, a Saída de Emergência.
Combinando vários estilos literários, David Soares é neste momento o melhor e mais activo autor de literatura portuguesa do género Fantástico.
Outras obras do autor:
Os Ossos do Arco-Íris
As Trevas Fantásticas
Participação em diversas antologias de Literatura Fantástica:
A Sombra Sobre Lisboa
Ficções Científicas e Fantásticas
O Homem Que Desenhava Na Cabeça dos Outros
Agradecemos desde já a todos aqueles que quiserem participar em mais um encontro de amigos em torno dos livros, das histórias e dos autores.
domingo, 23 de novembro de 2008
sábado, 22 de novembro de 2008
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
A RONDA DA NOITE
Peter Greenaway,
canadá/frança/alemanha/polónia/holanda/reino unido, 2007, 134’, m/12
O quadro A Ronda da Noite, pintado por Rembrandt em 1642, e que deveria antes ser conhecido por A Companhia de Frans Banning Cocq e Willem von Ruytenburch, representa uma companhia de milicianos encabeçada por ricos mercadores de Amesterdão, pintada de forma dinâmica, prestes a marchar, ao invés de ser retratada em fila ou no banquete anual, como era convenção na época. Certo?
Errado. Totalmente errado, na opinião do realizador, e também pintor e desenhador britânico Peter Greenaway. Segundo ele, Rembrandt pintou A Ronda da Noite para denunciar o assassínio de uma das pessoas que deveria ter sido representada no quadro, e apontar os culpados, nele imortalizados.
Greenaway chama à obra-prima "o j'accuse de Rembrandt". Um corajoso ataque aos burgueses que encomendaram e pagaram a tela, e estavam envolvidos numa cabala para obter mais dinheiro, influência, proeminência social e mais poder em Amesterdão, na altura a cidade mais rica e próspera do Ocidente.
De acordo com Greenaway, a originalidade formal da famosa tela mais não é do que a maneira que o artista encontrou para semear as pistas alegóricas que permitiriam aos bons observadores desvendar o mistério e identificar os assassinos, sob a forma de várias "anomalias" pictóricas.
Eurico de Barros
(dia 19, Cine Clube de Faro)
quarta-feira, 19 de novembro de 2008
O QUE DISSE O DEPUTADO DO PND NO PARLAMENTO REGIONAL DA MADEIRA
Quinta-feira, Novembro 06, 2008
Mas afinal, o que foi que disse o deputado José Manuel Coelho, do PND,
na intervenção que acabou por despoletar este "vendaval" todo?
(...)
PRESIDENTE (Miguel Mendonça): Muito obrigado, Sr. Deputado. Para uma
intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Coelho.
JOSÉ MANUEL COELHO (PND): Excelentíssimo Senhor Presidente da
Assembleia, Excelentíssimas Senhoras e Senhores Deputados. Há 34 anos
estava eu no Batalhão de Caçadores 5, em Lisboa, a tirar a
especialidade de Transmissões de Infantaria e na noite de 24 para 25
de Abril, pela uma hora da madrugada, o corneteiro tocou na caserna os
instrumentos de transmissões de infantaria. Estava a nascer o 25 de
Abril. Estou a ver esse dia como se fosse hoje. Nós saímos ajudar as
tropas operacionais do Batalhão de Caçadores 5 para a revolução do 25
de Abril que estava em marcha.
Burburinho.
Saímos para a rua, ocupámos o Parque Eduardo VII, prendemos a PSP,
prendemos a GNR, prendemos os PIDES que a população indicava, que
perseguiam a população portuguesa.
Burburinho geral.
Tive esse grande privilégio de assistir ao nascimento da democracia em
Portugal. Agora, desta tribuna, eu queria perguntar aos
Excelentíssimos Senhores Deputados Coito Pita e Tranquada Gomes onde é
que eles estavam quando veio o 25 de Abril? Queria perguntar a Sua
Excelência o Senhor Presidente da Assembleia, que toda a vez que eu
vou lá falar com ele me diz "porte-se bem, porte-se bem, está
continuamente a me dar lições de moral", eu queria perguntar ao
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia onde é que ele estava
quando se deu o 25 de Abril? Eu vim para a minha terra confiado que ia
ser instaurada a verdadeira democracia nesta terra. Assistimos ao
nascimento da autonomia, ao Parlamento autonómico, e eu pensava que
tínhamos um Parlamento democrático, pensava que o Partido Social
Democrata que era um partido democrático…
Burburinho geral.
…mas comecei por verificar que realmente não era bem assim. O Partido
Social Democrata tinha alguns que eram verdadeiros sociais democratas,
mas os chefes desse partido não eram sociais-democratas, os chefes
desse partido eram reaccionários, eram fascistas, nomeadamente o seu
chefe mor, o Dr. Alberto João Jardim.
Protestos do PSD.
Burburinho.
PRESIDENTE (Miguel Mendonça): Srs. Deputados, eu pedia um pouco mais
de silêncio.
José Manuel Coelho: Em 1977, participei nas campanhas da APU e depois
verifiquei que havia pessoas dentro do PSD, mandatadas pelo chefe, o
chefe fascista, que recebiam ordens para me assassinar. Eu tive três
presidentes de câmara do PSD que receberam ordens de Alberto João
Jardim para tirar a minha vida, para me matar! Eu uma vez ia às
sessões da câmara, no tempo do Paulo Jesus, e as sessões da câmara
foram transferidas para a parte da tarde e veio um familiar do Roberto
Almada, do Deputado Roberto Almada, falar comigo dizendo assim:
"Coelho, você não vá às sessões da câmara na parte da tarde porque
eles vão matá-lo, o João da Sorte vai vir e vai-lhe dar um tiro e você
vai ser assassinado" e eu deixei de ir às sessões da câmara. Para
comprovar aquilo que o familiar ali do meu camarada dizia, em 1980,
estávamos numa campanha, pela APU, em Gaula, quando esse famigerado
João da Sorte, acompanhado dos capangas do PSD, faz-me um raio para me
assassinar. Eu consegui fugir. Eles deram seis tiros num camarada meu,
da altura, esse camarada ainda está vivo, o camarada Manuel Teixeira,
esse camarada levou seis tiros. Em recompensa por esse serviço
prestado ao regime, esse senhor que deu os tiros, o João da Sorte, tem
hoje uma rua com o seu nome, no Caniço. Isto não são brincadeiras, não
são fait-divers, são verdades! Passou-se comigo. Eu já tive três
presidentes de câmara que tentaram me tirar a vida, mandatos pelo
chefe fascista, o Alberto João Jardim. Eu actualmente quando vendo o
Garajau muitas pessoas dizem-me: "olhe, tome cuidado que o Jaime Ramos
pode matá-lo, pode mandar alguém assassiná-lo".
Sem dúvida que nós não vivemos num regime democrático! Nós vivemos num
regime ditatorial que está disfarçado numa social-democracia, porque o
Partido Social Democrata daqui da Madeira não é o mesmo Partido Social
Democrata do Continente, é um partido que não respeita a democracia, é
um partido que se puder, mata os democratas.
Por isso, eu vim a esta Casa para ajudar o combate do Prof. João
Carlos Gouveia, que é preciso derrubar o regime, deitar abaixo este
regime facínora e reaccionário, porque o maior perigo que há para a
democracia é o conformismo, é as pessoas se acomodarem, os democratas
se acomodarem, porque as forças reaccionárias comandadas pelo líder
fascista desta terra a pouco e pouco vão tirando as liberdades. Só no
espaço dum ano e meio já reviram… vão rever… já reviram portanto o
Regimento três vezes! Vão tirando as liberdades. A pouco e pouco os
democratas vão cedendo, vão cedendo. Só que não se devem esquecer duma
coisa: é que as grandes ditaduras da História evoluíram a partir das
democracias parlamentares e foi a cedência dos democratas, o
conformismo. Os democratas foram cedendo num ponto, foram cedendo
noutro até que democracias parlamentares evoluíram para sanguinárias
ditaduras. Temos um exemplo disso em Portugal, no Estado Novo, que
também evoluiu duma democracia parlamentar e tornou-se uma ditadura
sanguinária. Eu lembro-me do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, quando
ele dizia, falando sobre o conformismo que se apoderava dos
democratas: "a indiferença é o maior perigo, o maior inimigo da
democracia" – dizia Bertolt Brecht, em 1933…
Burburinho.
…que… vieram ter junto dum democrata e disseram: "olha, estão
prendendo os comunistas". Eu não me importei, porque eu não era
comunista! Depois disseram-me: "oh! estão prendendo os sindicalistas"
e eu também não me importei porque não era sindicalista. Depois "estão
prendendo os sacerdotes, os padres", eu também não me importei porque
não era padre, mas depois, tempos depois "ah! mas já estão a
prender-me, já estão a levar-me" e não havia já nada a fazer, meus
amigos!
Portanto, nós temos aqui um Regimento que é atentatório das liberdades
democráticas do 25 de Abril, da autonomia, dos ideais de Abril e já é
tempo dos democratas desta terra dizerem "basta!", pôr um travão a
esta situação. Não é suficiente ir a Tribunal Constitucional. Está nas
nossas mãos hoje, aqui e agora, os democratas, os partidos da oposição
desta Casa travar esta ofensiva reaccionária e antidemocrática deste
regime jardinista. Basta apoiarem a iniciativa do meu partido,
abandonarem este Parlamento, deixarem os parlamentares do PSD falar
sozinhos, no seu regime antidemocrático, abandonarem! Não é preciso ir
para o Tribunal Constitucional! Nós hoje, se quisermos, podemos fazer
o 25 de Abril nesta terra! Podemos boicotar este Parlamento! Podemos
sair, abandonar esta Assembleia e fazer trabalho político lá fora.
Burburinho.
Escusa de a gente estar aqui a legitimar esta gente, esta gente que
atenta constantemente contra a democracia, contra os direitos de
Abril, meus amigos. Os partidos da oposição têm uma palavra a dizer,
porque se não tomarem uma atitude firme contra esta gente reaccionária
vai acontecer aquilo que aconteceu ao Bertolt Brecht… aquilo que dizia
o Bertolt Brecht: a democracia, quando verificarem, já não têm
democracia. Nós actualmente já não temos liberdade de expressão…
Protestos do PSD.
Antigamente, um deputado nesta Casa…
Burburinho na bancada do PSD.
…não era julgado por delito de opinião, agora já é!
Protestos do PSD.
Temos um deputado nesta Casa, um grande camarada, um grande lutador
que é o Paulo Martins que está a ser julgado nos tribunais por um juiz
fascista e vai ser condenado por esse juiz fascista, meus amigos! Não
tenham dúvidas!
Burburinho.
Hoje, é o Paulo Martins! Ontem foi o Leonel Nunes que foi condenado
por outro juiz fascista. Amanhã será qualquer um de vós. Meus amigos,
é preciso combater esta gente reaccionária, esta gente que é contra
Abril, esta gente que é contra a autonomia, esta gente quer a
ditadura, quer tirar duma vez as liberdades, as poucas liberdades que
nós temos neste Parlamento, porque estes senhores do PPD/PSD eles não
são sociais democratas, estão travestidos, estão camuflados de sociais
democratas, mas eles ao fim ao cabo são da extrema-direita, são
fascistas, são pessoas viradas para o 24 de Abril!
Burburinho na bancada do PSD.
Lembrem-se que esta Casa nunca teve a honestidade de celebrar o 25 de
Abril. Sempre odiaram o 25 de Abril. Nunca nesta Casa foi celebrado o
25 de Abril, por ordem do chefe fascista supremo que manda nesta
terra, que nunca se converteu à democracia. Eu acho que é altura dos
democratas dos partidos da oposição perderem a sua passividade e
tomarem uma atitude firme. E essa atitude firme, na nossa opinião, não
será ir ao Tribunal Constitucional, é fazer o 25 de Abril aqui mesmo,
abandonar esta Assembleia, fazer o trabalho político lá fora, deixar
eles a falar sozinhos para mostrar ao País inteiro o sistema
antidemocrático que se vive aqui nesta Madeira, porque é preciso ver o
verdadeiro regime. O verdadeiro regime que governa esta terra não é o
regime democrático, é o regime nazi fascista do populista Alberto João
Jardim.
Protestos do PSD.
Burburinho geral.
Portanto o regime deles, meus amigos, é este! (Neste momento, o
deputado desfralda uma bandeira nazi.) O regime desses amigos, destes
amigos do Partido Social Democrata é este…
PRESIDENTE (Miguel Mendonça): Sr. Deputado…
Protestos do PSD.
José Manuel Coelho (PND): É este regime, é o regime do nazi fascismo do Hitler…
Protestos do PSD.
PRESIDENTE (Miguel Mendonça): Sr. Deputado, faz favor…
José Manuel Coelho (PND): São eles, são atiradores deste regime…
Protestos do PSD.
PRESIDENTE (Miguel Mendonça): Faz favor de retirar a bandeira…
José Manuel Coelho (PND):…eu trouxe esta bandeira para oferecer ao
líder do PSD, o Jaime Ramos…
PRESIDENTE (Miguel Mendonça): Estão suspensos os trabalhos.
José Manuel Coelho (PND): …esta bandeira é para oferecer a ele! Esta
bandeira é para oferecer a este covarde, este traidor da Madeira, este
fascista…
PRESIDENTE (Miguel Mendonça) Eu pedia uma reunião de líderes desde já (...)"
terça-feira, 18 de novembro de 2008
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
E SE OBAMA FOSSE AFRICANO ?
Por Mia Couto
Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles. Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor. Nesse momento, eu era também um vencedor. A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África.
Na noite de 5 de Novembro, o novo presidente norte-americano não era apenas um homem que falava. Era a sufocada voz da esperança que se reerguia, liberta, dentro de nós. Meu coração tinha votado, mesmo sem permissão: habituado a pedir pouco, eu festejava uma vitória sem dimensões. Ao sair à rua, a minha cidade se havia deslocado para Chicago, negros e brancos respirando comungando de uma mesma surpresa feliz. Porque a vitória de Obama não foi a de uma raça sobre outra: sem a participação massiva dos americanos de todas as raças (incluindo a da maioria branca) os Estados Unidos da América não nos entregariam motivo para festejarmos.
Nos dias seguintes, fui colhendo as reacções eufóricas dos mais diversos recantos do nosso continente. Pessoas anónimas, cidadãos comuns querem testemunhar a sua felicidade. Ao mesmo tempo fui tomando nota, com algumas reservas, das mensagens solidárias de dirigentes africanos. Quase todos chamavam Obama de "nosso irmão". E pensei: estarão todos esses dirigentes sendo sinceros? Será Barack Obama familiar de tanta gente politicamente tão diversa? Tenho dúvidas. Na pressa de ver preconceitos somente nos outros, não somos capazes de ver os nossos próprios racismos e xenofobias. Na pressa de condenar o Ocidente, esquecemo-nos de aceitar as lições que nos chegam desse outro lado do mundo.
Foi então que me chegou às mãos um texto de um escritor camaronês, Patrice Nganang, intitulado: "E se Obama fosse camaronês?". As questões que o meu colega dos Camarões levantava sugeriram-me perguntas diversas, formuladas agora em redor da seguinte hipótese: e se Obama fosse africano e concorresse à presidência num país africano? São estas perguntas que gostaria de explorar neste texto.
E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana?
1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.
2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.
3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado 'ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.
4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).
5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas – tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos.
6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos. Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores.
Inconclusivas conclusões
Fique claro: existem excepções neste quadro generalista. Sabemos todos de que excepções estamos falando e nós mesmos moçambicanos, fomos capazes de construir uma dessas condições à parte.
Fique igualmente claro: todos estes entraves a um Obama africano não seriam impostos pelo povo, mas pelos donos do poder, por elites que fazem da governação fonte de enriquecimento sem escrúpulos.
A verdade é que Obama não é africano. A verdade é que os africanos - as pessoas simples e os trabalhadores anónimos - festejaram com toda a alma a vitória americana de Obama. Mas não creio que os ditadores e corruptos de África tenham o direito de se fazerem convidados para esta festa.
Porque a alegria que milhões de africanos experimentaram no dia 5 de Novembro nascia de eles investirem em Obama exactamente o oposto daquilo que conheciam da sua experiência com os seus próprios dirigentes. Por muito que nos custe admitir, apenas uma minoria de estados africanos conhecem ou conheceram dirigentes preocupados com o bem público.
No mesmo dia em que Obama confirmava a condição de vencedor, os noticiários internacionais abarrotavam de notícias terríveis sobre África. No mesmo dia da vitória da maioria norte-americana, África continuava sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmesurada de políticos gananciosos. Depois de terem morto a democracia, esses políticos estão matando a própria política. Resta a guerra, em alguns casos. Outros, a desistência e o cinismo.
Só há um modo verdadeiro de celebrar Obama nos países africanos: é lutar para que mais bandeiras de esperança possam nascer aqui, no nosso continente. É lutar para que Obamas africanos possam também vencer. E nós, africanos de todas as etnias e raças, vencermos com esses Obamas e celebrarmos em nossa casa aquilo que agora festejamos em casa alheia.
Jornal "SAVANA" – 14 de Novembro de 2008
Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles. Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor. Nesse momento, eu era também um vencedor. A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África.
Na noite de 5 de Novembro, o novo presidente norte-americano não era apenas um homem que falava. Era a sufocada voz da esperança que se reerguia, liberta, dentro de nós. Meu coração tinha votado, mesmo sem permissão: habituado a pedir pouco, eu festejava uma vitória sem dimensões. Ao sair à rua, a minha cidade se havia deslocado para Chicago, negros e brancos respirando comungando de uma mesma surpresa feliz. Porque a vitória de Obama não foi a de uma raça sobre outra: sem a participação massiva dos americanos de todas as raças (incluindo a da maioria branca) os Estados Unidos da América não nos entregariam motivo para festejarmos.
Nos dias seguintes, fui colhendo as reacções eufóricas dos mais diversos recantos do nosso continente. Pessoas anónimas, cidadãos comuns querem testemunhar a sua felicidade. Ao mesmo tempo fui tomando nota, com algumas reservas, das mensagens solidárias de dirigentes africanos. Quase todos chamavam Obama de "nosso irmão". E pensei: estarão todos esses dirigentes sendo sinceros? Será Barack Obama familiar de tanta gente politicamente tão diversa? Tenho dúvidas. Na pressa de ver preconceitos somente nos outros, não somos capazes de ver os nossos próprios racismos e xenofobias. Na pressa de condenar o Ocidente, esquecemo-nos de aceitar as lições que nos chegam desse outro lado do mundo.
Foi então que me chegou às mãos um texto de um escritor camaronês, Patrice Nganang, intitulado: "E se Obama fosse camaronês?". As questões que o meu colega dos Camarões levantava sugeriram-me perguntas diversas, formuladas agora em redor da seguinte hipótese: e se Obama fosse africano e concorresse à presidência num país africano? São estas perguntas que gostaria de explorar neste texto.
E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana?
1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.
2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.
3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado 'ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.
4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).
5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas – tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos.
6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos. Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores.
Inconclusivas conclusões
Fique claro: existem excepções neste quadro generalista. Sabemos todos de que excepções estamos falando e nós mesmos moçambicanos, fomos capazes de construir uma dessas condições à parte.
Fique igualmente claro: todos estes entraves a um Obama africano não seriam impostos pelo povo, mas pelos donos do poder, por elites que fazem da governação fonte de enriquecimento sem escrúpulos.
A verdade é que Obama não é africano. A verdade é que os africanos - as pessoas simples e os trabalhadores anónimos - festejaram com toda a alma a vitória americana de Obama. Mas não creio que os ditadores e corruptos de África tenham o direito de se fazerem convidados para esta festa.
Porque a alegria que milhões de africanos experimentaram no dia 5 de Novembro nascia de eles investirem em Obama exactamente o oposto daquilo que conheciam da sua experiência com os seus próprios dirigentes. Por muito que nos custe admitir, apenas uma minoria de estados africanos conhecem ou conheceram dirigentes preocupados com o bem público.
No mesmo dia em que Obama confirmava a condição de vencedor, os noticiários internacionais abarrotavam de notícias terríveis sobre África. No mesmo dia da vitória da maioria norte-americana, África continuava sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmesurada de políticos gananciosos. Depois de terem morto a democracia, esses políticos estão matando a própria política. Resta a guerra, em alguns casos. Outros, a desistência e o cinismo.
Só há um modo verdadeiro de celebrar Obama nos países africanos: é lutar para que mais bandeiras de esperança possam nascer aqui, no nosso continente. É lutar para que Obamas africanos possam também vencer. E nós, africanos de todas as etnias e raças, vencermos com esses Obamas e celebrarmos em nossa casa aquilo que agora festejamos em casa alheia.
Jornal "SAVANA" – 14 de Novembro de 2008
domingo, 16 de novembro de 2008
sábado, 15 de novembro de 2008
SERMÃO AOS MATRAQUILHOS V, E TAL
O despertador tocou naquela posição mais irritante que a escolha distraída tinha programado, um zumbido estridente e monocórdico a lembrar baldes de água fria pelas costas abaixo - gostava de te dizer que - o tempo e a memória a crescerem muito devagar com a luz da manhã primaveril a entrar pelas frestas da persiana do quarto de solteiro em dois ou três feixes dourados salpicados de microscópicos graõzinhos de pó - gostava de te dizer que - uma gravata a coroar uma camisa engomada que abraçava as costas da cadeira a antever alguma solenidade, imediatamente antes da confirmação já amadurecida do teu espaço vazio no movimento do meu braço - gostava de te dizer que - o papel da convocatória do Tribunal de Família na mesa de cabeceira a indicar a data da comparência frente ao juiz, anos e anos de uma vida partilhada, família, espaço, amores, ódios, frustrações, esperanças, medos, alegrias, discussões, aniversários (com festa e sem festa), Natal, férias, raivas, um papel impessoal, administrativo, seco e frio com uma assinatura ilegível de um funcionário qualquer, projectos, sonhos, o nascer dos filhos, os primeiros passos, as primeiras noites sem fraldas, desalento, desconforto, perguntas sem fim, barreiras cada vez maiores de transpor, dois barcos na mesma tempestade, a tentar furar ondas gigantescas, muito longe de terra, um papel dactilografado, em linguagem de manual de Administração Pública, e pronto. - gostava de te poder dizer que - O rosto resignado da minha mãe que dizia tudo sem ter necessidade de abrir a boca, uma lágrima disfarçada num ângulo escuro do rosto, ( E agora, quando é que vou voltar a ver os meus netos) " Não te atrases filho, a audiência é às nove e meia" - gostava de ter tido tempo para te poder dizer que - e afinal a vida tem estas fases em que tudo parece desabar à nossa volta como um castelo de cartas sem que a nossa vontade seja para ali chamada. - gostava de ter tido tempo para te poder dizer que - E por mais que se queira segurar de um lado, remendar de outro não há nada que se possa fazer, como um camião que nos atropela quando estamos de costas, sem tempo nem aviso. Visto-me a correr, bebo o café em andamento com metade do casaco já vestido e outra metade por vestir em gestos de artista de circo desajeitado e tenho ainda tempo de ver o meu pai, olhar apreensivo, sem censura nem compaixão, um ar preocupado de quem interroga o destino numa esquina lenta da existência, o futuro que já esteve escrito e deixou de estar. Respondo-lhe com outro olhar que diz que a culpa não é dele nem minha, nem de ninguém. A culpa não é para aqui chamada, as coisas acontecem porque acontecem e a nossa única obrigação é conduzir o barco sem se afundar. Respondo-lhe com um beijo no espaço da cara onde repousa desde a eternidade o mesmo "Old Spice" matinal que tantas vezes me acordou com um cheiro sorridente. - gostava de ter tido tempo, naquela tarde em que o futuro deixou de ser futuro, para te dizer que - Tribunal, advogados, funcionários apressados transportando molhos de papéis em todas as direcções, outros casais em estado terminal como nós, cumprimentos, paleio de ocasião, a espera para poder entrar. - naquela tarde em que o futuro deixou de ser futuro para se transformar num presente prolongado e doloroso, gostava de ter tido tempo para te poder dizer que - Felizmente sem guerra, conflito civilizado, sinal dos tempos modernos, de acordo em relação ao mais importante, os filhos, a casa de família, a pensão de alimentos, o juiz a confirmar as vontades e a proclamar a sentença de divórcio, o regresso aos dois mundos que foram um só, mais alguma conversa de circunstância, o ódio a perder o sentido, a esmorecer lentamente no circuito da racionalidade, um último olhar a finalizar o ritual - gostava de ter tido tempo para te dizer que não tenho na memória nenhuma palavra com o teu nome escrito nela...
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
Considerando: §1. Desabafo
Blogdialogar, para mim, é difícil.
Nem imaginam quanto me desertam as palavras nesse afã de curto-circuitar a perene e-fabulação.
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
A CONSPIRAÇÃO DOS ANTEPASSADOS
A CONSPIRAÇÃO DOS ANTEPASSADOS
David Soares
Ed. Saída de Emergência, 2007
Bastante conhecida em certos meios, a história do encontro entre Fernando Pessoa e Aleister Crowley na Lisboa dos anos 20 esteve sempre longe de ser esclarecida de forma cabal. Do suicídio simulado de Crowley na Boca do Inferno, complementado com a ajuda de Pessoa, até ao simples encontro de dois místicos, passando por uma simples relação de trabalho do poeta português com uma editora britânica, muito se disse e pouco se esclareceu.
Ao ler A Conspiração dos Antepassados somos convidados a embarcar numa aventura que tem como ponto de partida esse referido encontro, numa viagem de montanha russa com vários itinerários, todos eles acidentados, repletos de manobras capazes de nos tirar o fôlego.
Ao misturar os factos com a lenda e a magia, David Soares vai construindo de forma meticulosa um novelo narrativo de permanente estímulo à imaginação, inédito na literatura portuguesa. As histórias vão-se sucedendo, da Tunísia até às húmidas ruas de Londres, dos arredores de Lisboa à Quinta da Regaleira em Sintra. Um livro assinado por Francisco d’Ollanda, o maior artista português do Renascimento, é cobiçado por uma seita disposta a tudo para o obter. Por outro lado, Crowley vem a Lisboa a pretexto de visitar o poeta seu admirador, mas no fundo o seu grande interesse é encontrar o mesmo livro. Enquanto isso temos ainda tempo de visitar outras dimensões do espaço-tempo e encontrar uma explicação para o facto de D. Sebastião não ter regressado na sequência do desastre de Alcácer Quibir.
Para além da história, empolgante e muito bem escrita, o autor reserva-nos ainda no final da publicação um espaço de esclarecimento, onde podemos encontrar várias informações sobre as quais se baseou para construir o livro. Detalhes biográficos, noções de esoterismo, etc, se bem que não tenham nenhuma necessidade de ser acrescentados, acabam por abrir outras portas à curiosidade do leitor noutros domínios.
A Conspiração dos Antepassados é uma feliz estreia deste autor premiado de banda desenhada na literatura. Com uma escrita corrida e uma narrativa empolgante consegue enquadrar o elemento histórico, o fantástico e o fantasioso num agradável e muito interessante objecto de leitura para várias audiências.
ARTUR
terça-feira, 11 de novembro de 2008
RENDEZ VOUS
Alan Seeger. 1888–1916 (*)
I HAVE a rendezvous with Death
At some disputed barricade,
When Spring comes back with rustling shade
And apple-blossoms fill the air—
I have a rendezvous with Death
When Spring brings back blue days and fair.
It may be he shall take my hand
And lead me into his dark land
And close my eyes and quench my breath—
It may be I shall pass him still.
I have a rendezvous with Death
On some scarred slope of battered hill,
When Spring comes round again this year
And the first meadow-flowers appear.
God knows 'twere better to be deep
Pillowed in silk and scented down,
Where love throbs out in blissful sleep,
Pulse nigh to pulse, and breath to breath,
Where hushed awakenings are dear...
But I've a rendezvous with Death
At midnight in some flaming town,
When Spring trips north again this year,
And I to my pledged word am true,
I shall not fail that rendezvous.
(*) Morto em combate na região de Belloy-en-Santerre
segunda-feira, 10 de novembro de 2008
domingo, 9 de novembro de 2008
sábado, 8 de novembro de 2008
sexta-feira, 7 de novembro de 2008
Emcursivoconvulsivo ou O Albergue do Fim §8
Ainda bem que, claro-transparente, a vós, ora, me fiz presente.
ALBERT - 95 ANOS
“Menos um grau e eis a estranheza; darmo-nos conta de que o mundo é espesso, entrever até que ponto uma pedra é estranha, nos é irredutível, com que intensidade a Natureza, uma única paisagem nos pode negar! No fundo de toda a beleza jaz qualquer coisa de inumano, e essas colinas, a doçura do céu, esses desenhos de árvores, eis que nesse minuto perdem o sentido ilusório de que os revestíamos, agora mais longínquos do que um paraíso perdido. A hostilidade primitiva do mundo, através de milhões de anos, regressa até nós. Durante um segundo, deixamos de compreender esse mundo, visto que durante séculos dele só entendemos as figuras e os desenhos que lá púnhamos antecipadamente, e que de hoje em diante só nos faltam as forças para utilizar tal artifício. O mundo foge-nos porque se transforma nele próprio. Esses cenários mascarados pelo hábito tornam-se naquilo que são. Afastam-se de nós. Tal como há dias em que, sob o rosto familiar de uma mulher, encontramos como uma estranha aquela que amamos há meses ou anos, vamos talvez assim desejar aquilo que de repente nos torna tão sós. Mas o tempo ainda não chegou. Uma só coisa: esta espessura e esta estranheza do mundo – é o absurdo.”
Albert Camus, 7- 11- 1913 - 4 -1- 1960
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
PODIA-TE DIZER
Poderia dizer mas…dizer o quê? Que a esperança ainda dança à minha frente como cigana de feira em noite de estio à volta da fogueira? Que me seduz com o sorriso moreno e a promessa de uma pele macia à minha espera. Que sim, digo-lhe eu, cansado de saber que amanhecerei outra vez sozinho, entregue ao mesmo caminho de sempre.
Que me falta ainda saber tanto, não tendo tempo físico para o conseguir apesar de tudo aquilo que já aprendi?
Que a música é o nosso portal entre o mundo e a eternidade quando todos os sentidos se harmonizam num só, desconfiando então de com que imagem se pode parecer a alma??
Que Deus existe porque existo eu que o reconheço fazendo de mim uma parte Dele, tornando-me ao mesmo tempo algo de divino?
Que a Vida é um jogo feito num baralho de cartas marcadas em que perdemos de uma maneira ou de outra? Que tudo o que ela nos pode ensinar chega tarde e a horas em que já para nada serve?
Podia dizer, sim…mas dizer o quê?
Nada do que disser terá o carimbo da novidade ou se assemelhará sequer à descoberta da pólvora.
Nada do que pensar será novidade. A única coisa que vibra ou que vive ou que existe é qualquer coisa que mexe dentro de nós. Qualquer coisa difícil de explicar mas impossível de esconder. É a vitória sobre o tempo quando comunicamos com aqueles que nem eram vivos quando nascemos. Nos retratos, no DNA, nos quadros, nos livros, nas estátuas. Que queres que te diga?
Que deste presente consigo viajar ao passado e ao futuro e perceber que as lágrimas de todos os tempos, que os sorrisos são sempre iguais? Que a única coisa que nos distingue de civilizações perdidas é a tecnologia? Que o pensamento foi ultrapassado pela tecnologia no início do séc. XX, mas que nem por isso perdeu a sua relevância, a sua vitalidade para nos ajudar a compreender quem somos?
Podia-te dizer…mas dizer o quê?
Que despejo este copo de whisky e o volto a encher porque não me apetece ajoelhar perante imagens humanas como a minha, manipuladas por intermediários vestidos de negro que sodomizam crianças, porque não me apetece obedecer cegamente a um bando de oportunistas cheios de medo de não serem eles apenas, e que me explicam com um sorriso que tenho de continuar a trabalhar mais para que eles enriqueçam, porque não me apetece roubar o meu concidadão, espancar a minha mulher ou pôr os meus filhos a trabalhar para mim?
Porque o medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo?
Podia-te dizer…mas dizer o quê? Que ao segundo copo virado já a mágoa se desvanece em vacuidades adormecidas e a consciência baila à minha frente em torno de uma fogueira? Que me tenta seduzir com os movimentos do corpo e uma promessa de pele macia à minha espera? Que a ataco como um macho no cio e lhe preencho cada orifício, cada poro do corpo antes de amanhecer outra vez sozinho, com o mesmo caminho à minha frente?
Podia dizer-te, mas…dizer-te o quê?
ARTUR
Que me falta ainda saber tanto, não tendo tempo físico para o conseguir apesar de tudo aquilo que já aprendi?
Que a música é o nosso portal entre o mundo e a eternidade quando todos os sentidos se harmonizam num só, desconfiando então de com que imagem se pode parecer a alma??
Que Deus existe porque existo eu que o reconheço fazendo de mim uma parte Dele, tornando-me ao mesmo tempo algo de divino?
Que a Vida é um jogo feito num baralho de cartas marcadas em que perdemos de uma maneira ou de outra? Que tudo o que ela nos pode ensinar chega tarde e a horas em que já para nada serve?
Podia dizer, sim…mas dizer o quê?
Nada do que disser terá o carimbo da novidade ou se assemelhará sequer à descoberta da pólvora.
Nada do que pensar será novidade. A única coisa que vibra ou que vive ou que existe é qualquer coisa que mexe dentro de nós. Qualquer coisa difícil de explicar mas impossível de esconder. É a vitória sobre o tempo quando comunicamos com aqueles que nem eram vivos quando nascemos. Nos retratos, no DNA, nos quadros, nos livros, nas estátuas. Que queres que te diga?
Que deste presente consigo viajar ao passado e ao futuro e perceber que as lágrimas de todos os tempos, que os sorrisos são sempre iguais? Que a única coisa que nos distingue de civilizações perdidas é a tecnologia? Que o pensamento foi ultrapassado pela tecnologia no início do séc. XX, mas que nem por isso perdeu a sua relevância, a sua vitalidade para nos ajudar a compreender quem somos?
Podia-te dizer…mas dizer o quê?
Que despejo este copo de whisky e o volto a encher porque não me apetece ajoelhar perante imagens humanas como a minha, manipuladas por intermediários vestidos de negro que sodomizam crianças, porque não me apetece obedecer cegamente a um bando de oportunistas cheios de medo de não serem eles apenas, e que me explicam com um sorriso que tenho de continuar a trabalhar mais para que eles enriqueçam, porque não me apetece roubar o meu concidadão, espancar a minha mulher ou pôr os meus filhos a trabalhar para mim?
Porque o medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo?
Podia-te dizer…mas dizer o quê? Que ao segundo copo virado já a mágoa se desvanece em vacuidades adormecidas e a consciência baila à minha frente em torno de uma fogueira? Que me tenta seduzir com os movimentos do corpo e uma promessa de pele macia à minha espera? Que a ataco como um macho no cio e lhe preencho cada orifício, cada poro do corpo antes de amanhecer outra vez sozinho, com o mesmo caminho à minha frente?
Podia dizer-te, mas…dizer-te o quê?
ARTUR
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
AMARCORD
Amarcord é uma das várias obras-primas do Mestre Fellini. No dialecto de Rimini, amarcord significa "recordo-me". E é precisamente sobre as recordações da infância que Fellini se debruça neste magnífico filme. Da Itália fascista e caricata, da escola e da descoberta do desejo, da família, da vida e da morte. A sequência acima exibida é para mim um dos mais altos momentos de comédia que se podem alcançar em torno de um almoço de família ao Domingo. A quem não viu, o meu conselho: não deixem de adquirir esta autêntica pérola do cinema italiano
ARTUR
Emcursivoconvulsivo ou O Albergue do Fim §6
Qual o certo? O cérebro outro? O célere certo? Apito? Repito, apito?
Nove, nove, nove, nove, nove, nove, nove?
terça-feira, 4 de novembro de 2008
Emcursivoconvulsivo ou O Albergue do Fim §5
Não fora o Anjo e não o saberíamos. O quê? A panóplia de horrores, cornucópia gangrenada, o vasto caminho de nossos errores, a plúrima, plena, alarve sandice destas várias gentes. Apito. Quisera quem, quimera d'aleluia e oxalá, demandar os santos lugares, vencer o afã da noite, derrotar o íncubo. Apito. Noventa vezes nove e novecentos corcéis, nem se alados &.
Nem queiram crer, nem queiram querer, vós, outra loiça. Que o porvir é cerca de nada que o passado é caixa de cousa nenhuma que o presente, coitado, d'angustiado como ele só, é de tal magra figura que sua falha mesura não contém cinco reis de mel coado. Alternativa é, se a vós a tanto aprouver, a memória.
Apito.
Mas isso já todos o sabem desde.
E só aqui o digo porque o tempo inexiste. Apito.
Nunca, nunca, nunca.
E, por isso, reitero, repito, itero, e me repito, reitero, m'itero e ainda isto, por material interdição às águas fundas, profundas, da pouca terra e tanto mar.
segunda-feira, 3 de novembro de 2008
Emcursivoconvulsivo ou O Albergue do Fim §4
A imagem que sustém é, ainda, tão imensa que não há mar e vasta terra que, a tanto, albergue.
As muitas gentes, afanosamente, produzem esse múltiplo zombar.
Quisera, a divindade, tal desiderato?
As muitas gentes, afanosamente, produzem esse múltiplo zombar.
Quisera, a divindade, tal desiderato?
domingo, 2 de novembro de 2008
Emcursivoconvulsivo ou O Albergue do Fim §3
Escrevo de jacto sem cor e sem tinta, sabendo – jamais – que tudo é artifício. Apito. Essoutra humana sensação do vast'Império. Apito. Nove. Vezes. Era imenso e sem perdão a tal. Condenado. Nunca, nunca, jamais. Aquele céu. E os albialados de língua de prata pairam sobre o mar. E as terras. Fazendo, fazendo. Fazendo.
Pouco, das feras gentes.
Vê, olha e revê, isto mesmo c'aqui escrevo.
Quem, para cima, olha?
Pouco, das feras gentes.
Vê, olha e revê, isto mesmo c'aqui escrevo.
Quem, para cima, olha?
sábado, 1 de novembro de 2008
Emcursivoconvulsivo ou O Albergue do Fim §2
Quais as terras da alma do Anjo? Ou, esses, nem as têm, almas e terras, terras d'alma d'imens'alvura. Apito. Repito. Repico. Apito. Querem crer? Apenas o mar é espéculo d'Anjo, d'infinda, líquida, lassidão. As terras são duras e as gentes e a magra megera das almas das gentes cegas são, de tanto negrume. Toupeiras suicidas. Apito. És tu? És quem seja de paz ou d'ácera volta, revolta, reviravolta? O Anjo, apenas, apenas, apenas, permanece. Impassível. Apito. Hei, hei, vezes nove. Sereno? O Anjo é sereno. Apito. Invencível & sagaz. Apito. De penetrante, transpenetrante visão como de transistor avariado. Apito. De penetrante visão à excepção. Apito. Nunca. Excepto ao transbrilhante – lembram-se, transpenetrante? - reflexo iterativo de si, ainda, ainda, ainda que olhe e atinja o mais fundo cerne do profundo do mar. E. Claro. Claríssimo. Até, até, até à loucura. Do esconso íntimo da alma das feras gentes.
Apito. Apito. Jamais.
Lembram-se?
Apito. Apito. Jamais.
Lembram-se?
Subscrever:
Mensagens (Atom)