segunda-feira, 31 de março de 2008
MÉTODO
Enche o que está vazio. Esvazia o que está cheio. Se puderes não escrever, por favor não escrevas. Cala-te sobre aquilo que não pode ser dito. Sê sublime nos defeitos, metódico nos desvarios, útil pelos mesmos erros. Desconfia da razão, apoia-te nos sentidos, emprega o cálculo integral e diferencial, seja sob o aspecto da análise, seja sob o aspecto geométrico, na solução de problemas astronómicos e físico-matemáticos. Estuda pneumenologia; ela é a ciência do espírito, visto este ser um sopro. Aguarda pacientemente que a morte te ilumine.
sexta-feira, 28 de março de 2008
terça-feira, 25 de março de 2008
"ANTÍGONA" ou "DÁ-ME O TELEMÓBEL JÁ !"
Passado até à exaustão nos diversos canais televisivos, comentado extensivamente nos restantes meios de comunicação social , o filme "Dá-me o Telemóbel Já !" causou tsunamis de indignação e as mais diversas interpretações, procurando escalpelizar o episódio e atribuir culpas e responsabilidades, extrapolando para o nosso estado cultural e civilizacional e fazendo previsões em relação à incerteza de um futuro assente na educação e formação dos nossos jovens. Pela minha parte, não vejo o mínimo motivo de indignação e considero que todas as interpretações falham o essencial da questão. De facto, creio que esta obra cinematográfica constitui uma das mais notáveis realizações da cultura portuguesa contemporânea e um feito só alcançável por uma geração de iluminados. Considero que "Dá-me o Telemóbel Já !" é a recriação actualizada de "Antigona" de Sófocles, a sublime tragédia grega que se perfila como um dos marcos cimeiros da civilização e cultura ocidentais, sendo que Patrícia, a jovem protagonista, encarna a personagem titular; a professora interpreta Creonte; o telemóvel Polinice, e os restantes alunos, o coro. A encenação ficou a cargo da criancinha que realizou o filme, tendo-se o seu fulgurante nome perdido para a posteridade. Os paralelos entre a tragédia grega e a portuguesa são inúmeros, a começar pelo próprio tema: Antígona quer sepultar o corpo de seu irmão Polinice, acto que seu tio Creonte, tirano de Tebas, não pode permitir. Antigona considera que o dever sagrado de enterrar os mortos se sobrepõe aos ditames do tirano e que a sua consciência deve ser a única guia do seu comportamento, enfrentando a morte inevitável em nome do sagrado dever. No caso de "Dá-me o Telemóbel Já !", a actualização da tragédia faz-se com sotaque do Porto, Patrícia/Antigona e a Professora/Creonte dançando um bailado macabro ou "ballet" grotesco em torno da posse do sagrado objecto telemóbel demonstrando Patrícia um inegável talento de actriz: basta atentar no "pathos", na agonia e nos gritos lancinantes e horripilantes com que reclama a transcendente ordem ética que guia o seu comportamento. O "já !" final comunica a urgência e a inexorabilidade da exigência com um clamor que cala fundo na alma do espectador. Creonte também vai muito bem, procurando implementar a sua autoridade e determinações através de uma máscara de fraqueza e impotência. Na realidade, e a pergunta pode colocar-se em relação à tragédia grega e também à portuguesa, quem tem mais poder ? Aquele que não teme a morte nem as consequências em nome de um dever e de uma consciência moral que não pertence ao mundo humano, mas ao divino, ou aquele que procura impôr leis e ditames, apoiando-se numa autoridade que só ao humano pertence ? Quanto ao Coro, seria injusto não destacar a sua meritória actuação, começando pela sublime frase, de finíssimo recorte literário : "ó gorda, ó peixona, sai da frente !", seguindo-se outros comentários excelentes do ponto de vista dramatúrgico, bem exemplificados em frases como: "Altamente !" e "Olha, a belha bai cair". Mas, não é tudo no que concerne a cruzamentos e intertextualidade em "Dá-me o telemóbel já !". Os espíritos mais esclarecidos encontrarão uma clara referência a "Huis Clos" de Jean-Paul Sartre, uma das obras maiores da dramaturgia do século XX. Nessa peça, Sartre imaginava o Inferno como um espaço fechado, sem móveis nem objectos, nas quais diversas personagens sem nada para fazer, nada em que se ocupar , são obrigadas a conviver entre si por um período de tempo indeterminado (a eternidade, supomos nós) . Ao tédio segue-se a intolerância, a hostilidade e o ódio, dando origem à suprema definição de Inferno: "L'Enfer sont les autres". Por tudo o que fica exposto, resta concluir que podemos dormir descansados: o Futuro (que é sempre tempo demais) está entregue a uma genial geração de artistas, actores, cineastas, tragediógrafos et alia, que se manifestam através de obras como este paroxístico "Dá-me o Telemóbel Já ". Bem-hajam.
segunda-feira, 24 de março de 2008
REFFLECTINDO
A situação, para quem não está habituado, é simplesmente surrealista. Uma aluna e uma professora “combatem” pela posse de um telemóvel que a segunda resolveu confiscar, muito provavelmente porque estava a perturbar o funcionamento da aula. Na “geral”, enquanto um ou dois alunos tentam acalmar a situação, há um que filma, enquanto os restantes acompanham com comentários alarves dignos de um circo…romano. Infelizmente, esta tem sido a realidade de muitos professores, que se tornaram caixa de ressonância de pais e alunos, bombos da festa no pior sentido do termo. E tudo debaixo de um incrível véu de impunidade que ninguém consegue rasgar. Como é que se chegou a este ponto? Á simples subversão de papéis no que toca à hierarquia disciplinar de funções, à naturalidade com que se aceita este tipo de situações aberrantes, ao absurdo de a agressão de professores se ter tornado quase um “desporto” nacional?
Várias serão as respostas que irão desde o acumular de políticas erradas ao longo de 30 anos no que diz respeito à educação até à desagregação da sociedade em que vivemos, passando pela erosão assustadora de todo um conjunto de valores que nos colocam à deriva sem perceber bem qual é o futuro que nos está reservado.
Em primeiro lugar julgo que tudo começou logo a seguir ao 25 de Abril. A força dos ventos da Liberdade e Igualdade soprava com enorme intensidade… De uma forma tão intensa que, nalguns casos acabou por soprar na direcção errada. E uma delas foi, ao abrir-se a escola para toda a população, nivelar-se por baixo naquilo que à exigência e à disciplina dizia respeito. Desta forma, o inevitável choque de culturas de classe, em vez de permitir aos mais fracos e menos preparados uma melhoria da sua condição de cidadania, acabou por desgastar e enfraquecer os menos fracos fazendo baixar irremediavelmente os níveis de aproveitamento efectivo (não o das pautas) criando p. ex. gerações de licenciados com enormes dificuldades em se exprimirem na sua própria língua nativa. À classe média com rendimentos para isso, restou-lhe procurar o ensino privado se quisesse que os seus filhos tivessem um bom desenvolvimento cultural e intelectual na sua passagem pelo ensino secundário.
Em segundo lugar, o Estado foi acumulando ao longo de décadas erros sucessivos de má gestão política do Ensino através de reformas sucessivas que não chegavam a ter tempo de vida útil antes de serem implementadas pura e simplesmente porque o Governo mudava. Baixos salários dos professores, instalações degradantes, erosão da comunidade escolar a todos os níveis transformaram o Ensino numa jangada precária à deriva com os vários grupos que o compõem a falar sozinhos.
No fundo, o que as últimas décadas de governação conseguiram fazer foi pura e simplesmente destruir a classe média, minando os pilares da cidadania, ou seja da dignidade de um país. Foi a Saúde, a Justiça e a Educação. Nivelando por baixo, os filhos das classes baixas aprendem o mínimo dos mínimos para ocupar os trabalhos inferiores e mais mal pagos que continuam a encher as grandes corporações. Aos da classe média resta-lhes a gigantesca luta com o nariz fora da água para não cair definitivamente num oceano de impostos, regalias suprimidas, etc, enquanto faz das tripas coração para que os seus filhos consigam a formação superior necessária para não se afogar também.
A classe média é o barómetro social de qualquer civilização. Para cima, alimenta o lucro da classe superior enquanto trabalha para ela. Para baixo, alimenta a inferior pagando impostos e taxas que lhes permitam ter acesso à saúde, ensino, justiça, etc. É também em última análise a classe média que decide eleições, na medida em que é a classe maioritária de um país. Sem classe média o destino é o 3º mundo, o retrocesso civilizacional, o aumento anual do rendimento dos mais ricos e a morte e a miséria dos mais pobres. É na classe média que se encontra também o motor intelectual e cultural que transformou todas as sociedades ao longo da História. A Escola é o berço da cidadania. É na Escola que se formam os cidadãos. E mais uma vez, foi a Escola que respondeu a este caos concertado em que vivemos ao colocar 100 mil pessoas na rua numa manifestação de protesto contra esta política do governo. Talvez uma das maiores de sempre desde o 25 de Abril. Aí está a cidadania a manifestar-se e a dizer “BASTA” a décadas de insultos e provocações aos cidadãos. Estes 100 mil abrem uma porta de esperança mas alertam também para a responsabilidade de cada um. Nós portugueses andamos alheados há demasiado tempo de ser responsáveis directos do nosso destino. Por isso a culpa também é nossa. Por isso a classe política tem conduzido um pais como se de uma simples empresa com nº restrito de accionistas se tratasse. No dia das eleições, na rua a conduzir, em casa, no trabalho, em toda a parte… Está nas nossas mãos decidir em que é que nos queremos tornar. Num Estado de Direito e Cidadania ou num quintal malcheiroso das traseiras da Europa. Já esbanjámos duas oportunidades soberanas (O 25 de Abril e a entrada na União Europeia), não podemos esbanjar mais nenhuma.
A disciplina tem que voltar à escola e a escola tem que se voltar a transformar num espaço de formação de cidadãos, numa comunidade em que todos participem em comunhão mas absolutamente conscientes do lugar que ocupam. Quem não obedecer às regras tem de ser excluído, punido e afastado. Como cidadão, o que eu não posso admitir em circunstância alguma é o facto de voltar a assistir a imagens tão degradantes como as deste fim-de-semana. Os professores, um dos grupos mais sacrificados com estas políticas de caminho rápido para a terceiramundialização, são também os primeiros na força da mudança, na reclamação justa da Cidadania. Para eles o meu abraço solidário.
ARTUR
Várias serão as respostas que irão desde o acumular de políticas erradas ao longo de 30 anos no que diz respeito à educação até à desagregação da sociedade em que vivemos, passando pela erosão assustadora de todo um conjunto de valores que nos colocam à deriva sem perceber bem qual é o futuro que nos está reservado.
Em primeiro lugar julgo que tudo começou logo a seguir ao 25 de Abril. A força dos ventos da Liberdade e Igualdade soprava com enorme intensidade… De uma forma tão intensa que, nalguns casos acabou por soprar na direcção errada. E uma delas foi, ao abrir-se a escola para toda a população, nivelar-se por baixo naquilo que à exigência e à disciplina dizia respeito. Desta forma, o inevitável choque de culturas de classe, em vez de permitir aos mais fracos e menos preparados uma melhoria da sua condição de cidadania, acabou por desgastar e enfraquecer os menos fracos fazendo baixar irremediavelmente os níveis de aproveitamento efectivo (não o das pautas) criando p. ex. gerações de licenciados com enormes dificuldades em se exprimirem na sua própria língua nativa. À classe média com rendimentos para isso, restou-lhe procurar o ensino privado se quisesse que os seus filhos tivessem um bom desenvolvimento cultural e intelectual na sua passagem pelo ensino secundário.
Em segundo lugar, o Estado foi acumulando ao longo de décadas erros sucessivos de má gestão política do Ensino através de reformas sucessivas que não chegavam a ter tempo de vida útil antes de serem implementadas pura e simplesmente porque o Governo mudava. Baixos salários dos professores, instalações degradantes, erosão da comunidade escolar a todos os níveis transformaram o Ensino numa jangada precária à deriva com os vários grupos que o compõem a falar sozinhos.
No fundo, o que as últimas décadas de governação conseguiram fazer foi pura e simplesmente destruir a classe média, minando os pilares da cidadania, ou seja da dignidade de um país. Foi a Saúde, a Justiça e a Educação. Nivelando por baixo, os filhos das classes baixas aprendem o mínimo dos mínimos para ocupar os trabalhos inferiores e mais mal pagos que continuam a encher as grandes corporações. Aos da classe média resta-lhes a gigantesca luta com o nariz fora da água para não cair definitivamente num oceano de impostos, regalias suprimidas, etc, enquanto faz das tripas coração para que os seus filhos consigam a formação superior necessária para não se afogar também.
A classe média é o barómetro social de qualquer civilização. Para cima, alimenta o lucro da classe superior enquanto trabalha para ela. Para baixo, alimenta a inferior pagando impostos e taxas que lhes permitam ter acesso à saúde, ensino, justiça, etc. É também em última análise a classe média que decide eleições, na medida em que é a classe maioritária de um país. Sem classe média o destino é o 3º mundo, o retrocesso civilizacional, o aumento anual do rendimento dos mais ricos e a morte e a miséria dos mais pobres. É na classe média que se encontra também o motor intelectual e cultural que transformou todas as sociedades ao longo da História. A Escola é o berço da cidadania. É na Escola que se formam os cidadãos. E mais uma vez, foi a Escola que respondeu a este caos concertado em que vivemos ao colocar 100 mil pessoas na rua numa manifestação de protesto contra esta política do governo. Talvez uma das maiores de sempre desde o 25 de Abril. Aí está a cidadania a manifestar-se e a dizer “BASTA” a décadas de insultos e provocações aos cidadãos. Estes 100 mil abrem uma porta de esperança mas alertam também para a responsabilidade de cada um. Nós portugueses andamos alheados há demasiado tempo de ser responsáveis directos do nosso destino. Por isso a culpa também é nossa. Por isso a classe política tem conduzido um pais como se de uma simples empresa com nº restrito de accionistas se tratasse. No dia das eleições, na rua a conduzir, em casa, no trabalho, em toda a parte… Está nas nossas mãos decidir em que é que nos queremos tornar. Num Estado de Direito e Cidadania ou num quintal malcheiroso das traseiras da Europa. Já esbanjámos duas oportunidades soberanas (O 25 de Abril e a entrada na União Europeia), não podemos esbanjar mais nenhuma.
A disciplina tem que voltar à escola e a escola tem que se voltar a transformar num espaço de formação de cidadãos, numa comunidade em que todos participem em comunhão mas absolutamente conscientes do lugar que ocupam. Quem não obedecer às regras tem de ser excluído, punido e afastado. Como cidadão, o que eu não posso admitir em circunstância alguma é o facto de voltar a assistir a imagens tão degradantes como as deste fim-de-semana. Os professores, um dos grupos mais sacrificados com estas políticas de caminho rápido para a terceiramundialização, são também os primeiros na força da mudança, na reclamação justa da Cidadania. Para eles o meu abraço solidário.
ARTUR
quarta-feira, 19 de março de 2008
terça-feira, 18 de março de 2008
CAMINHO
(fotografia de Sofia P. Coelho)
Caminho. Espaço percorrido entre dois pontos, partida e chegada, distância de aproximação do Ser ao Tudo e ao Nada. Caminho, porta de entrada para o desconhecido varrido pelo vento do não saber, excitação amedrontada, adrenalina de coragem decorada. Passos apressados, gananciosos de chegar, fúria de alcançar, ânsia de conquista predadora do alvo desejado. Passos arrastados, cansaços acumulados, sofrimentos vividos e arrumados na prateleira da memória, recuperações abrandadas de regeneração. Passos lentos, seguranças no passado afirmadas, indiferenças sobre medos derramadas, cabeça erguida na certeza de direcção.
Caminho. Daqui até ali porque sim, como se a força que comanda e a força que quer fossem seres distintos, individualizados, que começando juntos depressa se separaram para seguir diferentes direcções.
Caminho. Pedras para tropeçar, árvores para esmolar uma sombra, buracos no chão para a inevitável pausa do descanso, regatos cristalinos que refrescam a sede e limpam a poeira.
Caminho. Obrigação dirigida, direcção obrigatória de coisa nenhuma, tempo para preencher de tempo, de lutas, amores e ódios indecifráveis… em nome de nada… de coisa nenhuma.
ARTUR
segunda-feira, 17 de março de 2008
CRÓNICA ANTIGA
A FILHA DO CAPITÃO
José Rodrigues dos Santos
Ed. Gradiva, 2004
Vivemos tempos tristes e cinzentos, onde a breve imagem da esperança tem contornos pouco nítidos e muito poucas razões para aparecer. Sinal sintomático deste estado de espírito é a popularidade com que têm sido recebidos pelos leitores os romances de reconstituição histórica. Por alguma razão preferimos vasculhar um tempo a que não pertencemos e viajar por universos distantes, satisfazendo a nossa curiosidade e enriquecendo o nosso património através desse espaço e dessa alma que dividimos com os antepassados. Primeiro foi “Equador” de Miguel Sousa Tavares, um êxito de vendas que já teve direito a tradução para inglês. O livro centrava-se nos últimos tempos da monarquia, no virar do séc. XIX para o séc. XX, e terminava em 1908, ano do regicídio. Aberta a porta dos romances de reconstituição histórica escritos por autores portugueses, o livro de que hoje vos queria falar chama-se “ A Filha do Capitão” e, com intenção ou sem ela, o facto é que se desenrola num tempo que prolonga o tempo de “ Equador”. Ou seja, embora tendo início no final de novecentos, a acção vai um pouco mais longe, visita a I Guerra Mundial e termina no final da década de 20 do século passado. Outro romance de reconstituição histórica e outro êxito garantido ( quando me chegou às mãos ia já na 5ª edição).
“ A Filha do Capitão”, de José Rodrigues dos Santos é na sua essência uma história de amor contada num enquadramento histórico rigoroso e exaustivamente descritivo que no entanto, não consegue parar de surpreender e agarrar o leitor até à ultima página.
A história fala-nos de Afonso Brandão e de Agnés e do percurso improvável que os fará encontrar por força das circunstâncias. Ele, nascido numa aldeia do Ribatejo, quinto filho de um modesto agricultor, produtor de vinho. Ela uma jovem francesa de Lille, filha de um comerciante de vinho. Um e outro vão crescendo na viragem do século XIX para o século XX, assistindo aos prodígios das novas tecnologias, amplamente documentados na Exposição Universal de Paris. A electricidade, o automóvel, as primeiras máquinas voadoras, o animatógrafo, as novas e arrojadas conquistas arquitectónicas, tudo acontece a uma velocidade vertiginosa, antevendo-se um futuro radioso de prosperidade. Para além de ambos terem os pais envolvidos na produção e comercialização de vinho, Afonso e Agnés têm ainda em comum uma atitude semelhante perante a vida. Tanto um como outro vão crescendo até à idade adulta sem que a sua vontade própria se manifeste em relação às escolhas decisivas das suas vidas. Afonso escapa a um quase certo e inevitável destino de pobreza e trabalho duro nos campos, caminho seguido pelo seu pai e pelos seus irmãos. Uma mãe zelosa pelo futuro da sua filha, vendo que Afonso, um pé descalço, se aproxima demasiado dela resolve mandá-lo para o seminário. Afonso parte assim ainda miúdo para Braga e, quando regressa é outra vez desviado, desta vez para a Escola de Guerra. Contra todas as possibilidades, Afonso torna-se oficial do Exército Português, acabando por ir parar à Flandres no momento da I Guerra Mundial.
Agnés por seu turno, tem uma infância despreocupadamente burguesa, vem estudar Medicina para Paris e casa com o seu primeiro amor. A guerra vem destruir-lhe toda a sua inocência ou o que dela restava. O seu casamento não dura um ano, o seu marido morre nas trincheiras e Agnés vê-se impedida de regressar a Lille em virtude da ocupação alemã. Sozinha, viuva e sem poder recorrer à familia , Agnés encontra um amigo do pai que inicialmente se oferece para lhe dar abrigo em sua casa. Mais tarde propõe-lhe um casamento de “fachada”, perfeitamente consciente de que entre eles não haveria espaço para grandes paixões. Agnés aceita indiferente.
Vemos assim que os personagens principais, praticamente até se cruzarem no meio da narrativa, não têm ou não exercem vontade própria, limitando-se a seguir a maré ao sabor dos acontecimentos. É a paixão entre ambos que os acabará por “libertar”, por assim dizer.
Enquadrada num já referido e amplamente documentado rigor histórico descritivo, as opiniões, as acções que constituiam a mentalidade da época são-nos reveladas pelos personagens secundários. Os monárquicos, os republicanos, a Igreja Católica e, principalmente, a grande divisão entre os portugueses acerca da sua participação na guerra. A passagem da Afonso pelas trincheiras constitui também um excelente documento literário ilustrativo do inferno e do sofrimento que foi para as tropas portuguesas a sua passagem pela I Guerra Mundial. Primeiro o poder político tudo fez para estar ao lado dos ingleses com a desculpa que, se não o fizesse, perderia irremediavelmente a posse de uma grande parte do seu império colonial. Por outro, uma vez na guerra esqueceu-se dos seus soldados, de os render em tempo útil, de os equipar e abastecer convenientemente, etc, etc. A título de exemplo veja-se o episódio em que, na sequência de um ataque às trincheiras alemãs, os nossos soldados vêm os alojamentos inimigos e ficam completamente extasiados. Era como se os outros vivessem num hotel de luxo comparado com as suas instalações, onde se viam obrigados a dormir no meio da lama e das ratazanas.
A minuciosa descrição das trincheiras, dos combates e do dia a dia das nossas tropas é mais um motivo de reflexão sobre a nossa história recente. O próprio autor é neto de um veterano dessa guerra. Por fim a batalha de La Lys, o massacre dos alemães sobre as nossas posições e sobre os ingleses. Uma descrição visual alucinante, digna de um filme. “ A filha do Capitão” é a um tempo uma história de amor, uma visita ao passado e um excelente documento de reconstituição de um país que há quase 100 anos embarcou numa aventura que não lhe dizia respeito, não para reclamar o que não tinha, mas para manter o que já lhe pertencia...
ARTUR GUILHERME CARVALHO
COMO INVENTAR UMA GUERRA
" É claro que as pessoas nunca querem uma guerra. Mas são os líderes de um país que determinam as políticas e é sempre fácil convencer as pessoas quer seja numa democracia, numa ditadura fascista ou comunista. Com voz ou sem ela, o povo pode sempre ser manipulado para fazer a vontade dos líderes. É fácil. Tudo o que se tem de fazer é convencê-los que estão a ser atacados, denunciar os pacifistas por falta de patriotismo e expor o país a perigos maiores".
(Declarações de Hermann Goering no julgamento de Nuremberga)
(Declarações de Hermann Goering no julgamento de Nuremberga)
terça-feira, 11 de março de 2008
CONTRA
Contra Deus, porque é injusto, cruel e insensível ao sofrimento humano; contra o Ateu, por não perceber a infinita sabedoria do Senhor. Contra Jesus Cristo, o manso profeta, contra Maomé, demasiado armado, e contra Buda, um gordo sentado. Contra Sartre, porque foi estalinista, Camus, suspeito de humanista e Céline, porque foi fascista. Contra a Literatura, por não ser política. Contra os opostos, porque se atraem; contra os semelhantes, porque se anulam. Contra a culpa, porque amarfanha; contra o castigo, porque é humilhante. Contra a anarquia: conduz à selvajaria; contra a organização: não vale um tostão. Contra o corpo: está obsoleto; contra a consciência, por ser um mecanismo.
Contra a festa, porque distrai; contra o trabalho (a produção enriquece os capitalistas e inviabiliza a realização do ser humano) ; contra o futebol, porque é um desporto de massas; contra o golfe porque é um desporto de elites e velhos ricos reformados. Contra a Estética (só existem Estéticas) ; contra o gosto (porque não se discute). Contra a Maçonaria : é só conspiração; contra o Opus Dei: é só religião + conspiração. Contra os gigantes, porque são altos demais; contra os anões, por se terem esquecido de crescer. Contra os belos: é só aparência; contra os feios (é uma descarada mentira dizer que o que conta verdadeiramente é a beleza interior).
Contra a História, porque o seu peso é esmagador; contra o esquecimento, porque é injusto. Contra a família: é uma célula de opressão; contra a solidão: é uma estrutura de aniquilamento. Contra o indivíduo: nega o social; contra a sociedade; sonega o indivíduo. Contra o Estado: é iníquo; contra a Igreja: só diz mentiras; contra as mentiras: são falsas verdades. Contra as verdades: são pontos de vista. Contra a guerra, porque é uma maldição: contra o Exército,a Marinha e a Força Aérea; contra a Polícia: é um instrumento de opressão; contra o crime, organizado ou espontâneo.
Contra o Homem, porque é imperfeito
Contra a festa, porque distrai; contra o trabalho (a produção enriquece os capitalistas e inviabiliza a realização do ser humano) ; contra o futebol, porque é um desporto de massas; contra o golfe porque é um desporto de elites e velhos ricos reformados. Contra a Estética (só existem Estéticas) ; contra o gosto (porque não se discute). Contra a Maçonaria : é só conspiração; contra o Opus Dei: é só religião + conspiração. Contra os gigantes, porque são altos demais; contra os anões, por se terem esquecido de crescer. Contra os belos: é só aparência; contra os feios (é uma descarada mentira dizer que o que conta verdadeiramente é a beleza interior).
Contra a História, porque o seu peso é esmagador; contra o esquecimento, porque é injusto. Contra a família: é uma célula de opressão; contra a solidão: é uma estrutura de aniquilamento. Contra o indivíduo: nega o social; contra a sociedade; sonega o indivíduo. Contra o Estado: é iníquo; contra a Igreja: só diz mentiras; contra as mentiras: são falsas verdades. Contra as verdades: são pontos de vista. Contra a guerra, porque é uma maldição: contra o Exército,a Marinha e a Força Aérea; contra a Polícia: é um instrumento de opressão; contra o crime, organizado ou espontâneo.
Contra o Homem, porque é imperfeito
COLÉGIO MILITAR – 205 ANOS
(Escolta a cavalo do Colégio Militar em parada. Fotografia de Samuel Ma "subtraída" do Blog SONHO, CORAGEM & DEVOÇÃO)
Da bruma da eternidade chegam primeiro os sons dos cascos das montadas. As silhuetas dos cavaleiros vão e vêm denunciando o movimento da sua presença. Progridem num galope curto que se vai desenrolando harmonioso, perfeito. Ao lado marcham todos, os de agora, os de ontem e os de sempre, em algazarra de gritos de guerra de saudação, em comunhão num espírito único de irmandade secular. A cidade interrompe o seu bulício habitual e fecha-se imóvel como que persignada em acto religioso de grande solenidade.
Na bruma da eternidade desfilam memórias de heróis, militares, cientistas, artistas, filósofos, poetas, escritores em torno de valores comuns. Uma Pátria, uma Família, Uma Comunidade. Com Honra, Dignidade, Talento de Bem Fazer.
Os vivos e os mortos, aqueles que deslizam lágrimas em rostos secos e empedernidos pela dureza da vida, todos como UM SÓ desfilam Avenida abaixo. Em passo certo, cabeça erguida, cadência regular. Embalados pelo ZACATRAZ até ao ponto alto da estátua aos mortos da I Guerra.
Pela Avenida desfila o batalhão e com ele desfila a História, o percurso de dois séculos de eternos meninos em expressões sérias para a fotografia já acastanhada de velha em pose de equipa de futebol, de atletismo, etc. Meninos que foram homens e depois vento nas paredes do claustro, coração no bater da bandeira, estrelas no céu infinito. Sim, somos nós…todos nós. Aqueles que perdem com estilo e ganham com dignidade. Aquele que respiram muito depois de deixar de respirar, quando o Colégio desce a Avenida e a cidade se cala. Os que sobem aos céus e se tornam estrelas que iluminam os primeiros passos dos novos guerreiros que começam. Porque não há princípio nem fim, mas um perpétuo “continuar”. ZACATRAZ!
ARTUR
sexta-feira, 7 de março de 2008
A RODA
No aconchego do conforto, entre margens amigáveis que quanto mais abraçam, mais limitam. A vontade inevitável de partir, na suspeita de um enorme e muito mais largo horizonte à nossa espera, uma promessa de absoluto. O sopro de partir porque os limites não foram feitos para nos limitar mas para nos obrigarem a crescer. A vertigem uterina de não poder continuar e…sair.
Desembarque na vida acompanhado de todos os desconfortos que a liberdade nos traz. Procurar comida, aguentar o frio, aproveitar as correntes de ar em busca de um caminho menos acidentado, fugir dos predadores. Procriar no tempo útil destinado pela biologia para o fazer. Perder a pena, penar e voltar a penar. Mais vezes do que gozar, fruir, ter prazer neste voo sem rumo, submetido a regras universais que tiranizam as individualidades. Envelhecer, ser menos ágil, voar menos dias por semana, aguentar cada vez menos o rigor do Inverno…morrer.
Fechar as asas uma última vez…fechar os olhos e escorregar sem pressa para as terras de lado nenhum. Para o estado em que o frio, a fome e os predadores já nada podem. Voltar à liberdade do vazio, à plenitude do Ser. E ser um só com a montanha, as árvores, os regatos e o céu. Ser Um, Total e Absoluto. SER em definitivo…
(Fotos de Sofia P.Coelho)
ARTUR
quinta-feira, 6 de março de 2008
domingo, 2 de março de 2008
DOR CERTA
Não é fácil. Nunca é fácil ver alguém, mais ou menos próximo de nós, partir. Nem mais cedo nem mais tarde, partir, simplesmente. Desde pequenos que nos ensinam tudo menos aquilo que nos deviam ensinar. Não se fala da morte e, quando se fala, é para nos voltarem a "alinhar" naquilo, no comportamento que se espera de nós. As religiões não explicam nada, a sociedade não nos prepara para aquilo que é evidente, inevitável e mais que certo. As primeiras, autoinvestidas de intermediárias entre este mundo e o outro garantem a vida desde que paguemos as quotas ao seu clube; a segunda esconde, finge que não vê, e afasta a ideia para longe dos nossos dias. Mas o que é certo é que a dita senhora está sempre à nossa espera, numa esquina com o nosso nome. E mais vale mentalizar-nos nessa nossa condição inevitável do que pagar impostos a divindades que fazem o favor de nunca se manifestar, ou meter a cabeça dentro da areia como a avestruz e deixar que a morte passe.
Naõ sei se por isso ou por outra razão qualquer, o certo é que dói, queima e deixa-nos tristes seja em que circunstãncias for. A morte é uma merda, mas uma merda real, verdadeira e certa. Continua a doer como da primeira vez... É sempre assim
Adeus amigo. Até sempre Paulo...
ARTUR
Naõ sei se por isso ou por outra razão qualquer, o certo é que dói, queima e deixa-nos tristes seja em que circunstãncias for. A morte é uma merda, mas uma merda real, verdadeira e certa. Continua a doer como da primeira vez... É sempre assim
Adeus amigo. Até sempre Paulo...
ARTUR
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