sexta-feira, 30 de maio de 2014

JOÃO RAIO DE CARVALHO



Não vou chorar, nem lamentar nem muito menos enaltecer as tuas qualidades e a admiração que sempre tive por ti. Em vez disso vou encarar os factos olhos nos olhos, com frontalidade e sem mariquices como sempre te vi a ti fazer em relação à vida em geral. Vou antes recordar as longas conversas, o clube e o signo em comum (até o último apelido), os” baldes” bebidos em franca cumplicidade, a afectividade mutua, a improvável amizade entre duas gerações tão diferentes com passados tão distintos. Vou recordar sempre a tua espinha direita, de antes quebrar que torcer, a tua obsessiva atitude de “não alinhado”, o teu desprezo pela mediocridade. Entre nós a Liberdade e a Dignidade foram duas mulheres que sempre habitaram as nossas vidas embora amadas de maneiras diferentes. E assim aceitámos, respeitando as diferenças de cada um. Não vou lamentar nem sequer queixar-me da sorte que assiste a todos os seres vivos porque sei perfeitamente que me olharias com esses dois faróis azuis e, sem nada dizer, me lembrarias essa arrogância que é sempre necessária, essa atitude, essa última fronteira digna que é ser esmagado pela vida sem desistir. Como tu que a meio de um enfarte, à espera da ambulância, resolveste sentar-te num banquinho e acender um cigarro. Como tu, que fugias pelos corredores de um hospital qualquer a empurrar o carrinho do soro com uma bata vestida de rabo ao léu, cigarrinho na mão a trotar à frente de um enfermeiro diligente. Como tu que me contaste uma vez que durante um período da tua infância a imagem que tinhas do teu pai era composta por um sofá, umas pernas debaixo de um jornal aberto e uma coluna de fumo a sair desse enquadramento. Espero um dia conseguir aproveitar alguns destes teus episódios para histórias minhas. Espero, aliás, tenho a certeza, que as nossas conversas serão retomadas um dia, o nosso clube, os nossos “baldes”, as nossas gargalhadas. Por isso não lamento nada porque não há nada para lamentar. Olho para a morte como te vi olhar, cagando para ela. Olho para a ordem natural das coisas como te vi sempre olhar, sem medo, arrogante, desafiador, LIVRE.  Olho para tudo em geral e relembro o teu exemplo de ser humano excepcional que passou por aqui e que deixou a sua marca, um guerreiro que nunca se rendeu. Um grande abraço para ti meu amigo. Nunca te esquecerei. Um dia destes a gente vê-se. Viva o Sporting…


Artur


6 comentários:

Anónimo disse...

Artur, sem mariquices, fiquei com a lágrima no canto do olho. O João que eu conheci e admirei sempre, era assim tal e qual. Bjo para ti
TGaio

Artur Guilherme Carvalho disse...

Obrigado Teresa.

Anónimo disse...

Tal e qual o João, que sem querer mariquices, sem querer que o chorássemos no seu funeral nos deixa a todos de voz embargada. Obrigada Artur.

Helena

Anónimo disse...

Excepcional! Faço minhas as tuas palavras. Recebe um abraço.
Hélia

Artur Guilherme Carvalho disse...

Obrigado helena, obrigado Hélia.

Anónimo disse...

Obrigado nós , por uma descrição tão perfeita e justa de alguém tão especial como o João !!
Extraordinário e único