Ás vezes é difícil de ouvir
porque o vento sopra em direcção contrária, porque um carro passa na rua ao
mesmo tempo. Mas quando se encontra com os olhos fechados e os ouvidos quase
adormecidos, quando os encontra naquele preciso instante a sua saudação é
composta por palavras de uma profunda tranquilidade. No escuro, no espaço da
solidão em que as lágrimas ocupam o recinto de baile e a banda toca melodias
azuis, o apito anunciador e a passada certa, metálica, vêm mudar o
disco. A linha é para continuar, a noite é para atravessar e não há outra
maneira, não há outra solução. Nesse tempo em que o comboio atravessa a noite
depois de se fazer anunciar há um ritmo, uma harmonia, qualquer coisa que
embala, abraça e protege. Há um Charlie Brown empenhado em se declarar à menina
de cabelo ruivo mas que não consegue sequer dizer-lhe bom dia, um Charlie Brown
que confia cegamente na sua amiga que lhe retira sempre a bola no momento em
que ele vai chutar, por mais que lhe prometa que não o faz. Há um cão
filosófico e circunspecto que se deita no telhado da casota para pensar melhor.
Há um homem empenhado em escrever no vazio da noite, desesperado pelas
palavras que teimam em não chegar. E há um comboio normalmente no horário, que
apita como quem cumprimenta, que atravessa o escuro num ritmo certo que embala,
numa passagem que é um abraço.
Há um comboio que atravessa a
noite como uma boa balada de Rock n’ Roll, um ritmo que avança, dá duas voltas,
regressa e retoma a passada, uma melodia que vai crescendo, um som que preenche
a escuridão.
Há uma noite para atravessar
ausente de luz, um fato de medo e solidão para vestir, um chá de lágrimas
salgadas para lamber, há uma travessia obrigatória na moratória da Liberdade.
Um vale escuro e pedregoso através das terras do nada e da serra da derrota.
Mas há uma linha, sabemos que existe porque ouvimos o comboio. Sabemos que há
um caminho, uma direcção, que este tempo tem um fim. Porque sim.
Artur
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