Não vou chorar, nem lamentar nem
muito menos enaltecer as tuas qualidades e a admiração que sempre tive por ti. Em
vez disso vou encarar os factos olhos nos olhos, com frontalidade e sem
mariquices como sempre te vi a ti fazer em relação à vida em geral. Vou antes
recordar as longas conversas, o clube e o signo em comum (até o último apelido),
os” baldes” bebidos em franca cumplicidade, a afectividade mutua, a improvável
amizade entre duas gerações tão diferentes com passados tão distintos. Vou
recordar sempre a tua espinha direita, de antes quebrar que torcer, a tua
obsessiva atitude de “não alinhado”, o teu desprezo pela mediocridade. Entre nós
a Liberdade e a Dignidade foram duas mulheres que sempre habitaram as nossas
vidas embora amadas de maneiras diferentes. E assim aceitámos, respeitando as
diferenças de cada um. Não vou lamentar nem sequer queixar-me da sorte que
assiste a todos os seres vivos porque sei perfeitamente que me olharias com
esses dois faróis azuis e, sem nada dizer, me lembrarias essa arrogância que é
sempre necessária, essa atitude, essa última fronteira digna que é ser esmagado
pela vida sem desistir. Como tu que a meio de um enfarte, à espera da ambulância,
resolveste sentar-te num banquinho e acender um cigarro. Como tu, que fugias
pelos corredores de um hospital qualquer a empurrar o carrinho do soro com uma
bata vestida de rabo ao léu, cigarrinho na mão a trotar à frente de um
enfermeiro diligente. Como tu que me contaste uma vez que durante um período da
tua infância a imagem que tinhas do teu pai era composta por um sofá, umas
pernas debaixo de um jornal aberto e uma coluna de fumo a sair desse
enquadramento. Espero um dia conseguir aproveitar alguns destes teus episódios
para histórias minhas. Espero, aliás, tenho a certeza, que as nossas conversas
serão retomadas um dia, o nosso clube, os nossos “baldes”, as nossas
gargalhadas. Por isso não lamento nada porque não há nada para lamentar. Olho
para a morte como te vi olhar, cagando para ela. Olho para a ordem natural das
coisas como te vi sempre olhar, sem medo, arrogante, desafiador, LIVRE. Olho para tudo em geral e relembro o teu
exemplo de ser humano excepcional que passou por aqui e que deixou a sua marca,
um guerreiro que nunca se rendeu. Um grande abraço para ti meu amigo. Nunca te
esquecerei. Um dia destes a gente vê-se. Viva o Sporting…
Artur
6 comentários:
Artur, sem mariquices, fiquei com a lágrima no canto do olho. O João que eu conheci e admirei sempre, era assim tal e qual. Bjo para ti
TGaio
Obrigado Teresa.
Tal e qual o João, que sem querer mariquices, sem querer que o chorássemos no seu funeral nos deixa a todos de voz embargada. Obrigada Artur.
Helena
Excepcional! Faço minhas as tuas palavras. Recebe um abraço.
Hélia
Obrigado helena, obrigado Hélia.
Obrigado nós , por uma descrição tão perfeita e justa de alguém tão especial como o João !!
Extraordinário e único
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