Com algumas divergências
sectoriais, uma grande parte da esquerda, extrema-esquerda e anarquistas
reclamam para si a herança da Comuna de Paris. O seu exemplo foi de facto
modelo inspirador para várias revoluções que se lhe seguiram na História (os
conselhos soviéticos da revolução russa ou as colectividades da revolução
espanhola. Uma herança no entanto
desfigurada, desvirtuada e desviante. Apesar de Marx ter visto nela a
emancipação do trabalho, a vitória de Versailles, ou seja, do modelo burguês,
deixou “desempregada” a forma que deveria permitir essa mesma emancipação. A
capacidade que poderia ter emancipado mudou de rumo e foi pervertida
tornando-se instrumento de alienação. Este processo, durante muito tempo
atenuado pelas sucessivas conquistas sociais, adquiriu um carácter de
fatalidade absoluta com a queda da esperança nascida na revolução. Ou uma espécie
de triunfo do mercantilismo sobre o
trabalho. O tesouro perdido da Comuna não pertence aos seus participantes. Ele
é adivinhado pelos seus adversários por ameaçar a sua ordem e por Marx que
tenta ler o conceito capaz de transformar o mundo. Dois dias após a “Semana
Sangrenta”, a 30 de Maio de 1871, em frente do Conselho Geral da Internacional,
Marx lê o seu longo “Adresse”, também conhecido pelo título de “A Guerra Civil
em França”, a história imediata da Comuna. Este texto, que Engels define como
“o acto de tornar conscientes as tendências inconscientes da Comuna” é o ponto
em que o acontecimento vai perder a actualidade por se ter transformado no seu
significado para o futuro.
A Comuna não foi nem será um
elemento marxista. A leitura que ele faz dela é que a coloca definitivamente na
vanguarda de qualquer processo revolucionário futuro. E porquê? Porque se a
Comuna inspirou revoluções futuras a emancipação económica do trabalho nunca
foi alcançada em nenhum dos casos. Porque a várias transformações do poder
acabaram sempre por alienar o modelo operário em função de um modelo
capitalista ou mercantil concentrado (p. ex. no próprio aparelho do Estado).
Porque a natureza do conceito de “poder” se manteve por mais que esse poder
fosse tomado e mudado de mãos.
A grande lição da Comuna de Paris
repousa no facto de ter inscrito na memória humana que há um outro caminho para
combater a tirania sem ser necessário instalar outra no seu lugar. Que é
possível inverter o edifício piramidal da Democracia numa sociedade mais
alargada à participação dos cidadãos em liberdade e com respeito pela
individualidade de cada um. Que o primeiro beneficiário do lucro do trabalho é
o seu produtor, o operário que criou a riqueza. E, finalmente, que é possível
outro mundo mais livre e mais justo onde todos podem ter o seu espaço, a sua
opinião e a sua vontade atendida. Utopia? Claro que sim, no sentido de que é
utopia tudo aquilo que ainda falta fazer. Quantas utopias nasceram naqueles
dois breves meses de revolução que hoje são dados adquiridos nas sociedades
modernas?
Artur
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