sábado, 6 de abril de 2013

CARTA AO ARNALDO


Caro Arnaldo,

Espero que tudo esteja bem contigo e os teus, que nós por cá vamos indo.

Não sei se te lembras de uns comentários que eu fiz ao teu excelente e infelizmente actualíssimo texto “Á Minuins e Understands” publicado a 3 de Outubro de 2011, cerca de um ano e meio antes de nos virmos a conhecer pessoalmente. Um texto onde falaste do desbragamento alarve de quem de nós se governa desgovernadamente. Da alarvice e da falta de respeito a que todos somos sujeitos por criaturas medíocres, cujas pulhices parecem continuar a ficar irremediavelmente impunes. Isto é apenas uma generalização pessoal ao assunto concreto do teu texto que abordava o facto de a dirigente do MAMAOT (Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território) Assunção Cristas, ter anunciado à Nação a urgência do aumento do tarifário da água.

Num primeiro comentário, procurava eu justificar esse estado de coisas pelo alheamento das pessoas relativamente ao acto de votar, chocado pela leviandade ou falta de consciência política com que o acto fundamental e legitimador da Democracia era tomado pela generalidade da população. Pela escolha inalterada dos suspeitos do costume, pela brutal abstenção, pelos votos brancos e nulos, levando a que o descontentamento, alheamento e desinteresse contribuíssem para o perpetuar de um sistema pervertido. Para mim nada disto ajudava a resolver a urgência de uma melhoria efectiva na vida dos portugueses, trocando-se uma ida à praia, à bola, ao petisco, pelo acto supremo da vida de um povo a viver em democracia – votar. Acrescia a isto ainda a minha indignação a que quem se alheava deste acto, ainda se insurgir e achar que tinha o direito de reclamar dos (des)governantes.

Pois muito educadamente, agradeceste tu o meu comentário, adiantando que a responsabilidade tanto recai sobre quem escolhe como por quem é escolhido, e que a ausência da escolha por si também é uma escolha - a de quem não se revê nas pessoas, nos partidos ou na situação que é apresentada.

Voltei ainda a responder ao teu comentário anterior esgrimindo o argumento de que o “jogo democrático” tem regras e o voto é a mais importante, pelo simples facto de apenas os votos expressos estarem representados na Assembleia da República. Aí, a abstenção, os votos brancos e os votos nulos não têm representatividade. Não deixam lugares vazios, embora continue a pensar que deveria ser assim mesmo. Os partidos deveriam estar representados na Assembleia de acordo com a percentagem da população total de eleitores. Abstenção, brancos e nulos incluídos. Só assim, quem quer ser eleito, se esforçaria por mostrar um desempenho digno e merecedor de tal lugar, lugar esse que deveria ser merecedor do maior respeito. Infelizmente está à vista de quem quer ver, o que vai na casa que deveria representar a vontade de um Povo. Lobbies, jogos de interesses, pouca vergonha. Adiantei ainda que eu não me abstinha, não votava em branco, e o meu voto ia sempre para algum partido. Aquele que no momento me pareceria o menos mau, no entanto a única forma de ter voz, de rumar contra a maré, apesar de não me rever em nenhum partido há mais de 20 anos. Infelizmente seria assim o sistema e seria com essas regras que teríamos de jogar até que houvesse uma revolução profunda de mentalidades, uma nova Filosofia, um sistema revolucionário mais justo, enfim, uma utopia para já.

É hoje com alguma satisfação que verifico que onde antes se falava de coisas mais levianas, se fala cada vez mais do estado das coisas. De alguma forma, da frustração generalizada a que este estado das coisas tem vindo a chegar, como se a espiral de asfixia económica e de desbragamento não tivesse fim, tocando tudo e todos. Reparei ao longo de várias conversas recentes que eu incluído partia de pressupostos tidos como certos, escritos algures. A expressão “está escrito” prolifera como se quem a profere realmente a tivesse lido. Infelizmente na maioria das vezes o que “está escrito” foi simplesmente ouvido a alguém ou é fruto das opiniões de quem as emite.

Há seis meses e depois de ter reflectido nas minhas crenças em relação ao instrumento mais importante da Democracia, achei que era altura de ler preto no branco as regras do jogo que julgava estarem bem sabidas e decidi procurá-las. Comecei por pesquisar na internet mas por alguma razão que achei estranha, não encontrei nenhuma resposta que me satisfizesse. Decidi enviar um e-mail para a Comissão Nacional de Eleições que me desfizesse concretamente a dúvida da consequência e destino dos votos brancos e dos votos nulos. Esperei e continuo à espera dessa resposta mas foi através do grupo “QUESELIXEVOTAR” no Facebook que obtive finalmente a resposta que um organismo (CNE) cujo funcionamento só é possível através do dinheiro obtido através dos impostos dos contribuintes portugueses não deu ainda até este momento.

Neste grupo, tem-se a explicação e fácil acesso à compreensão do verdadeiro mecanismo partidocrático, uma excrescência, um cancro da Democracia que há anos tem vindo a degenerar rapidamente e a minar o melhor sistema político conhecido.

Resumida e especificamente, o voto dos portugueses não é igual ao dos outros europeus. Os portugueses em vez de votarem no seu candidato, votam em listas de nomes fechadas e bloqueadas cuja ordem de atribuição de lugares já foi decidida pelos próprios “políticos”. Os que estão no topo das listas são vencedores antecipados por estarem nos “lugares elegíveis”, fruto não da capacidade individual, mas de outros critérios, onde a ideologia filosófica ou política são aquilo que menos importa, explicando assim a fraca capacidade intelectual da grande maioria dos seus intervenientes por contraposição à seriedade e sólida formação cívica. Falo de relvas e outras espécies daninhas que vegetam nos corredores do poder sufocando o fruto bom, não dando espaço algum ao crescimento e progresso. A mediocridade instala-se assim por via de um instrumento pervertido, não reformável por dentro por estar na mão do bandido. Como diziam os estivadores à porta da Assembleia da República na manifestação de 15 de Setembro último, “Os ladrões estão lá dentro! A polícia está cá fora!”

Não é por isso expectável que uma alteração à Constituição Portuguesa resulte em algo positivo. Nem tão pouco é desejável que tal aconteça. Já basta aquilo que os que dizem representar o povo por lá fazem, debitando leis a torto e a direito, rendilhando um sistema jurídico e judicial cheio de nós cegos que de tão rendilhado e de tantos “buracos”, permite a fuga para a frente daqueles que tendo-as feito, lhes conhecem as fraquezas intencionalmente pré-fabricadas, disso se aproveitando impune e desavergonhadamente na mais pura e exemplar corrupção.

O cerne do problema não está nas leis da Transparência, não está no financiamento dos partidos nem num sistema judicial paralítico, tudo inquinado pela política e pelas leis que são produzidas onde a corrupção grassa. O cerne do problema está no próprio sistema eleitoral que não confere qualquer escrutínio sobre os políticos. Portugal é um país que não permite que o eleitor escolha o seu candidato por causa das listas fechadas e dos respectivos lugares elegíveis previamente selecionados por interesses eticamente baixos mas mais influentes. Ou seja no fundo, o voto em Portugal decide nada. Nada! Em Portugal as eleições são decididas pelos partidos semanas antes de estas terem lugar.

A isto acresce ainda os factores dos eleitores fantasma por causa das listas desactualizadas, dos votos não terem o mesmo valor em todas as regiões de Portugal, variando a sua relevância e influência no resultado de acordo com o distrito onde está a urna onde foi depositado, da falta de consciência política da população portuguesa, manietada e formatada por uma informação inexacta para dizer o mínimo.

Tudo isto expus caro Arnaldo, para te pedir desculpa pelo meu segundo comentário na minha insistência no voto. Assim, e voltando à tua resposta ao meu primeiro comentário ao teu texto, eu não me revejo nas pessoas, nos partidos ou na situação que é apresentada.

E depois de saber finalmente através do grupo mencionado atrás que os votos em branco e os votos nulos revertem a favor do partido mais votado nessa eleição, com tudo o que isso implica (voto e respectivo dinheiro para o partido beneficiado) por causa de uma alteração à lei eleitoral do ano de 2005, vou-me abster de votar pela primeira vez na vida.

Talvez quando os desacreditados neste sistema se derem conta da farsa que vivem e começarem a ser uma maioria esmagadora impossível de ignorar, se possa pensar em aspirar a algo maior.

Sim Arnaldo, por estarmos numa partidocracia e não numa efectiva Democracia, a abstenção é uma escolha.

Grande abraço.

Hélder

2 comentários:

Maria disse...

Se o voto é a voz e a vontade do povo, então deveria ser o povo a decidir qual o significado do voto em branco, do voto nulo e da abstenção... jamais os políticos, que mais uma vez, tomaram para si um direito que era nosso.
Que seja o povo a decidir o que pretende dizer com a abstenção, com o voto nulo e com o voto em branco, e que consequências isso traz, para os políticos e para o país.
Não tenho solução, nem respostas, nem certezas, e pelos vistos ninguém tem, pois andamos há décadas a ser roubados e enganados e ninguém sabe como os deter. E eles tencionam proteger-se num império indestrutível, jamais nos iam dar o poder de o desfazer através de simples votos.
Todos unidos, resta-nos mostrar ás pessoas, que ainda andam iludidas, a espécie de seres que nos governa. Substituir a ignorância do povo pela indignação, a inércia pela revolta. É isso que eu procuro, creio que a solução terá de ser pela revolta, pois eles jamais abdicarão do seu império de livre vontade.
O voto nulo, branco, abstenção não possuem qualquer valor ou força para mudar o caos que nos impõem, a não ser que nos organizássemos e fossem massivos. Algo impossível pois bastam os boys e militantes, para lhes dar a vitória. Portanto devemos assumir que jamais será possível que o povo se una nesse objectivo. Aliás os políticos sabem bem como o evitar. Semeiam autarquias, câmaras e as seitas de militantes que são autênticos missionários, angariadores de fieis votantes.
Basta haver uma maioria ENTRE OS QUE VOTARAM VÁLIDO, para que eles ganhem sempre.


ARTIGO COMPLETO: http://apodrecetuga.blogspot.com/2012/11/o-poder-do-voto-voto-em-branco-e-nulo.html#ixzz2PjHT93E2

Hélder disse...

Zita, como deve saber, com a alteração da lei eleitoral em 2005, e após Saramago apelar entre 2002 e 2004 ao voto em branco, os votos brancos e os votos nulos revertem a favor do partido mais votado, convertendo-se quantitativamente em mais mandatos para deputados desse partido.
No entanto, e para ver dúvidas esclarecidas em relação ao sistema eleitoral português, nada como uma visita ao link do blog que aqui deixou. Agradeço o seu comentário.