quinta-feira, 18 de abril de 2013

ILUSÃO MATRICIAL



Vou dizer-te muito baixinho ao ouvido. Mal sentirás o sopro das palavras, mas ouve:

Imagina que tudo o que conheces não passa de uma elaborada ilusão.
Imagina que nada do que te foi ensinado desde que nasceste, nada do que viste, nada do que ouviste, nada de tudo corresponde à realidade.
Imagina que todos os conceitos que te são intrínsecos, os que fazem parte de ti, pelos quais foste educado e para os quais te foste construindo, fazem parte de uma realidade artificial formatadora da tua mentalidade.
Imagina que aceitas valores e ages de acordo com parâmetros preconcebidos que servem desígnios limitadores das tuas capacidades.
Imagina que inconscientemente estás condicionado para ver as coisas que alguém quer que vejas e não outras.
Imagina que tudo o que te rodeia é um cenário montado para te manter num registo pretendido.
Imagina que aqueles valores mais sagrados que te foram incutidos durante o teu crescimento, a história universal que aprendeste, os objectivos que te deram, apenas servem para te encarcerar numa crença que te desvia da essência da vida.
Imagina que vives uma mentira que de tantas vezes repetida se torna real, e nunca te atreves a questioná-la, a deter-te por um momento, a fechares os olhos e pensar se há algo mais além daquilo que te é apresentado no filme da tua vida. Se calhar já deste por ti a pensar que houve alguma coisa que não fazia sentido, mas depressa afastaste essa ideia.
Imagina que à medida que a película se vai desenrolando da bobine do que há-de vir para se enrolar na do que já passou, vais reparando em pequenos flashes no canto do ecrã que te vão despertando a curiosidade sobre o seu significado. Pequenos sinais, dos quais a princípio não tinhas sequer consciência pela sua fugacidade mas a partir do primeiro momento em que reparaste, forçam em ti o irreprimível desejo de saber o que são, qual o seu significado e para que servem.
Imagina que decides começar por procurar alguém que já tenha reparado neles. Descobres que sim, há outros que como tu, também viram esses sinais mas não falam sobre isso. Apesar de conscientes, uns resistem e até renegam essa revelação, outros não querem falar dela, outros ainda falam de forma velada.
Imagina que existe uma realidade para a qual não estás preparado. Nem tu nem ninguém. Algo que suspeitas que existe mas nem deves mencionar. Nem tu nem ninguém.
Imagina que a sua simples abordagem provoca o choque nos outros, por um lado porque não querem ser resgatados à sua doce artificializada realidade, por outro porque essa mensagem os assusta.
Imagina que afinal tens o choque de descobrir aos poucos os buracos e as fissuras de um cenário que te permitem ver para além dele. Para o outro lado. Para o lado de lá.
Imagina que com uma dor lancinante a que te vais lentamente habituando, provocada pela observação da claridade ofuscante, agora espreitas pelos buracos do fundo escuro que servia de paisagem à tua existência, vês todo um mundo novo e que te dá uma perspectiva radicalmente diferente de tudo aquilo em que acreditavas.
Imagina que do lado de lá do pano escuro vês os mecanismos outrora escondidos, ocultos, que fazem funcionar mecanicamente, roboticamente, tudo e todos.
Imagina que ao mesmo tempo que absorves essa revelação, acabas por conhecer na penumbra, outros que também estão a espreitar essa revelação. São uns que afinal já conhecias mas consideravas demasiado estranhos.
Imagina que agora queres fazer parte desse grupo amordaçado por um sistema informativo, ele próprio prisioneiro dos conceitos e dos tais mecanismos desvendados dessa virtualidade alienadora.
Imagina que te sentes impelido a acordar os outros mas eles te consideram aberrantemente estranho e por isso repudiam-te. Recusam ser arrancados por loucos, a um doce torpor que lhes ameniza a vida mas que secretamente os agrilhoa a um pensamento limitado, aceitador e conivente com coisas que antes até julgavas normais e lógicas.
Imagina que agora que começaste a vislumbrar toda uma nova existência, a anterior parece-te absurdamente escravizante, colocando os outros num estado de catarse generalizada, num sonho colectivo que afinal apenas lhes permite sobreviver, transformados em autómatos incapazes de duvidar do caminho que lhes é dado para percorrer.
Imagina que à medida que o filme chega para lá do meio, consegues libertar-te e que já tens a certeza que a realidade que viveste até aí não passa de um embuste montado por uma produção de meia- dúzia de seres vampíricos, cada um especializado numa área e que te iludiam que a Justiça funcionava, a educação te preparava para os desafios que escolherias, a indústria farmacêutica e os hospitais serviam para salvar vidas, a polícia e as forças armadas eram instrumentos pacificadores, a agricultura produzia alimentos saudáveis, a história escrita por quem a ganhou mostrava que os bons acabam sempre por vencer os outros, enfim que até vivias em Democracia porque podias votar em quem querias que governasse os teus destinos e os dos teus.

Agora imagina que tudo o que eu te disse até agora é a pura verdade.

Imagina o que farias.

Queres despertar? Ou ainda dormes?

Devo falar mais alto? Quando acordares?



Hélder

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