Vou dizer-te muito baixinho ao ouvido. Mal sentirás o
sopro das palavras, mas ouve:
Imagina que tudo o que conheces não passa de uma
elaborada ilusão.
Imagina que nada do que te foi ensinado desde que
nasceste, nada do que viste, nada do que ouviste, nada de tudo corresponde à
realidade.
Imagina que todos os conceitos que te são intrínsecos, os
que fazem parte de ti, pelos quais foste educado e para os quais te foste
construindo, fazem parte de uma realidade artificial formatadora da tua
mentalidade.
Imagina que aceitas valores e ages de acordo com
parâmetros preconcebidos que servem desígnios limitadores das tuas capacidades.
Imagina que inconscientemente estás condicionado para ver
as coisas que alguém quer que vejas e não outras.
Imagina que tudo o que te rodeia é um cenário montado
para te manter num registo pretendido.
Imagina que aqueles valores mais sagrados que te foram
incutidos durante o teu crescimento, a história universal que aprendeste, os
objectivos que te deram, apenas servem para te encarcerar numa crença que te
desvia da essência da vida.
Imagina que vives uma mentira que de tantas vezes
repetida se torna real, e nunca te atreves a questioná-la, a deter-te por um
momento, a fechares os olhos e pensar se há algo mais além daquilo que te é
apresentado no filme da tua vida. Se calhar já deste por ti a pensar que houve
alguma coisa que não fazia sentido, mas depressa afastaste essa ideia.
Imagina que à medida que a película se vai desenrolando
da bobine do que há-de vir para se enrolar na do que já passou, vais reparando
em pequenos flashes no canto do ecrã que te vão despertando a curiosidade sobre
o seu significado. Pequenos sinais, dos quais a princípio não tinhas sequer consciência
pela sua fugacidade mas a partir do primeiro momento em que reparaste, forçam
em ti o irreprimível desejo de saber o que são, qual o seu significado e para
que servem.
Imagina que decides começar por procurar alguém que já
tenha reparado neles. Descobres que sim, há outros que como tu, também viram esses
sinais mas não falam sobre isso. Apesar de conscientes, uns resistem e até renegam
essa revelação, outros não querem falar dela, outros ainda falam de forma
velada.
Imagina que existe uma realidade para a qual não estás
preparado. Nem tu nem ninguém. Algo que suspeitas que existe mas nem deves
mencionar. Nem tu nem ninguém.
Imagina que a sua simples abordagem provoca o choque nos
outros, por um lado porque não querem ser resgatados à sua doce artificializada
realidade, por outro porque essa mensagem os assusta.
Imagina que afinal tens o choque de descobrir aos poucos
os buracos e as fissuras de um cenário que te permitem ver para além dele. Para
o outro lado. Para o lado de lá.
Imagina que com uma dor lancinante a que te vais
lentamente habituando, provocada pela observação da claridade ofuscante, agora
espreitas pelos buracos do fundo escuro que servia de paisagem à tua existência,
vês todo um mundo novo e que te dá uma perspectiva radicalmente diferente de
tudo aquilo em que acreditavas.
Imagina que do lado de lá do pano escuro vês os
mecanismos outrora escondidos, ocultos, que fazem funcionar mecanicamente,
roboticamente, tudo e todos.
Imagina que ao mesmo tempo que absorves essa revelação,
acabas por conhecer na penumbra, outros que também estão a espreitar essa
revelação. São uns que afinal já conhecias mas consideravas demasiado
estranhos.
Imagina que agora queres fazer parte desse grupo
amordaçado por um sistema informativo, ele próprio prisioneiro dos conceitos e
dos tais mecanismos desvendados dessa virtualidade alienadora.
Imagina que te sentes impelido a acordar os outros mas
eles te consideram aberrantemente estranho e por isso repudiam-te. Recusam ser
arrancados por loucos, a um doce torpor que lhes ameniza a vida mas que
secretamente os agrilhoa a um pensamento limitado, aceitador e conivente com
coisas que antes até julgavas normais e lógicas.
Imagina que agora que começaste a vislumbrar toda uma
nova existência, a anterior parece-te absurdamente escravizante, colocando os
outros num estado de catarse generalizada, num sonho colectivo que afinal
apenas lhes permite sobreviver, transformados em autómatos incapazes de duvidar
do caminho que lhes é dado para percorrer.
Imagina que à medida que o filme chega para lá do meio, consegues
libertar-te e que já tens a certeza que a realidade que viveste até aí não
passa de um embuste montado por uma produção de meia- dúzia de seres vampíricos,
cada um especializado numa área e que te iludiam que a Justiça funcionava, a
educação te preparava para os desafios que escolherias, a indústria farmacêutica
e os hospitais serviam para salvar vidas, a polícia e as forças armadas eram
instrumentos pacificadores, a agricultura produzia alimentos saudáveis, a história
escrita por quem a ganhou mostrava que os bons acabam sempre por vencer os
outros, enfim que até vivias em Democracia porque podias votar em quem querias
que governasse os teus destinos e os dos teus.
Agora imagina que tudo o que eu te disse até agora é a
pura verdade.
Imagina o que farias.
Queres despertar? Ou ainda dormes?
Devo falar mais alto? Quando acordares?
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