quarta-feira, 15 de outubro de 2008

ENTÃO PÁ!? TÁS BOM ?

Antes de me despedir de ti gostava que soubesses que não faço a mais pequena ideia de quem é que esteve presente na missa de corpo presente nem no funeral, nem que tempo fazia quando te enterraram num cemitério descampado nos arredores da terra dos teus pais. Lembro-me do negro dos teus olhos desde que te conheci há mais de dez anos, e de como esse brilho se foi apagando ao longo do tempo. Lembro-me que era vivo e intenso no princípio, capaz de beber a vida numa noite como quando temos 20 anos e de como foi ficando progressivamente baço e indiferente pela idade adulta fora até chegar àquela incerteza perdida entre o medo e a resignação com que te encontrei prostrado na cama do hospital. Lembro-me de uma farra em que já ninguém se lembrava como é que se chamava e que o Aniceto resolveu beber à tua saúde. Lembro-me de ele dizer qualquer coisa que terminava em... “ porque ele é um senhor..” e lembro-me da tua cara etilizada de desdém que respondeu como que falando sozinha. “ Pois, sou um senhor, sou um senhor e depois ninguém me vai ao cu...” Pouco me recordo do teu fim mas tenho ainda hoje na memória os teus olhos e aquela Quarta –Feira de chuva em que apareceste no café com uma auréola negra à volta de um deles. É evidente que quando nos explicaste que tinhas caído, toda a malta pensou que o latagão do bombeiro com quem vivias na altura te tinha dado nos cornos. O que tu não sabes é que três dias depois, eu e o Rodrigo fizemos uma espera ao bombeiro com uma manta e uma tranca de madeira e lhe demos um enxerto até nos cansarmos. No fim avisámos o bombeiro. “Se voltas a tocar no rapaz, matamos-te.” Desculpa termos interferido na tua vida privada mas nem tu foste nunca um tipo violento nem nós podíamos admitir que um amigo nosso fosse vítima seja de quem for. Á boa maneira machista... foste vingado. Como se tratou de um acto demasiado macho... nunca te dissemos. Digo-te agora. Gostava de te poder dizer também que compreendo. Compreendo o apagar progressivo dos dois faróis negros que eram o teu olhar; compreendo a tua descrença, a diminuição da vontade, o enfraquecimento do querer e tantas outras coisas que aos poucos te fizeram querer afastar da vida ; a desilusão e a previsibilidade da fraqueza das pessoas e a forma como foi correndo todo esse processo, da alegria ao desamor, da loucura da paixão até à indiferença sobre o destino. Compreendo mas não deixo de o lamentar , numa noite de copos,em que a língua afiada e a tua capacidade de observação me faziam rir. Compreendo mas não consegui evitar as lágrimas no peso da dor de partires. Porque ainda te sinto a falta e porque a quebra da ligação entre dois seres que se amam é como uma amputação dolorosa naquele que fica...
ARTUR

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