Na aldeia onde passo agora a
maior parte do tempo, o padeiro costuma passar uma vez (às vezes duas) em passeio
triunfal, qual parada medieval de outrora. Estaciona na cabeceira da rua
principal e agarra-se à buzina como se quisesse anunciar um ataque nuclear
eminente, tendo as pessoas dois minutos para correr para o abrigo. Aguarda uns
instantes que os idosos se aproximem munidos do porta-moedas e do saquinho de
plástico, fica ali a dar dois dedos de conversa e arranca até ao outro extremo
da rua para repetir o ritual. Buzinadela estridente e prolongada, aproximação
da população idosa, o estado do tempo, o futebol e ala para a próxima aldeia.
Confesso que ao princípio me assustava tanta algazarra desnecessária quando uma
simples combinação de horário poderia resolver a questão. Depois comecei-me a
habituar com espasmos cada vez menos pronunciados e palavrões em escala
decrescente.
Nos últimos tempos o padeiro
deixou de vir diariamente, talvez por ter outros afazeres, talvez porque
resolveu abrandar o ritmo da volta às aldeias. Em seu lugar mandou o filho, um
miúdo tranquilo que aproveita as horas vagas da escola embora muito menos
sociável do que o pai. O ritual não mudou a não ser na rapidez com que se
desenvolve. É que isto de atender o público não é uma capacidade inata em
ninguém…leva o seu tempo. Há sempre aquele cliente que reclama das carcaças que
comprou ontem, o outro que deita um longo olhar para dentro da caixa da
carrinha para de seguida se pôr a pedir aquilo que não há, já para não falar na
epopeia dos trocos que, como todos sabemos, além de difíceis de arranjar
ninguém parece ter. O rapaz chega à entrada da rua, agarra-se à buzina da
carrinha como se não houvesse amanhã e, logo de seguida, arranca em direcção à
outra ponta da rua. Os primeiros potenciais compradores têm apenas tempo para
pôr o nariz de fora para se aperceberem que se quiserem pão vão ter que ir à
padaria.
Ao fim do dia não faço ideia que
contas é que pai e filho farão e qual o balanço diário da padaria itinerante.
Mas a atitude do filho do padeiro faz-me lembrar o “autovoucher” do Governo
para minimizar o impacto do aumento dos combustíveis. Por cada pipa de massa
que gastar a consumir o seu combustível, traga a factura e troque por um
apoio…zinho de 0,00005 %.
Ou seja, o consumidor é toureado
com todo o cenário que indica precisamente o contrário. Temos padaria, temos
serviço itinerante ao cliente…o que não temos é pão.
Faz lembrar uma piada antiga do
Herman José em que era anunciado um concurso de sugestões para acabar com a
burocracia. Quem quisesse participar teria que enviar um formulário devidamente
preenchido com uma exposição de quinze páginas a explicar porque é que se devia
acabar com a burocracia, acompanhado de uma fotografia de corpo e meio junto a
um pastor alemão albino.
O chefe do governo e alguns dos
seus ministros podem personificar a relação do padeiro e do seu filho. Um mais
diligente, ou mais calculista, outros mais incompetentes, mais apressados,
menos atentos. Ao fim do dia a panificadora terá que fazer o balanço das
diversas estratégias aplicadas e assumir as falhas do sistema. Mais depressa ou
mais devagar, em loja fixa ou itinerante. Os consumidores cá estarão, sempre os
mesmos, com a mesmas necessidades de comer pão todos os dias. Se não nesta
padaria…noutra qualquer…
Artur