segunda-feira, 16 de agosto de 2021

O SER ESDRÚXULO

 


Décimo quinto dia do oitavo mês de dois mil e vinte e um. Dizem que a meio da oração, neste dia, apareceu Santa Maria, exatamente a ilha onde estou agora, a ilha de Gonçalo Velho Cabral, mais coisa menos coisa, meu décimo quinto tio avô. O que é que isto diz senão o chamado da raíz? Quando me perguntam que raio estou aqui a fazer, eu respondo que estou. Estar é das coisas mais difíceis de ser. Ser, e ser verdadeira, é um lugar muito esdrúxulo para se estar, sobretudo quando nos olhamos de fora, mas nunca quando olhamos para fora. Há pouco tempo perguntaram-me como é que eu conseguia viver numa caravana ou numa casa em reconstrução, conhecendo tanto mundo, de dentro de tanto hotel de cinco estrelas.


Respondi que por isso mesmo, que quando estamos no lugar certo pode ser qualquer um, desde que em paz connosco e com os nossos. É como quando se fala de amor, tanto pode ser príncipe como pescador. E o amor soma-se ou divide-se? O amor acrescenta sem contas nenhumas. Se não acrescentar deixa de usar esse nome e passa a todos os diminutivos.



Ser verdadeira é ser livre, só ou acompanhada, ser a assunção de nós próprias, a aceitação das nossas forças e fraquezas, sabendo que às últimas temos a capacidade de as converter em mais força. É preciso cortar o cordão umbilical da culpa com que nos arrastaram durante séculos pelos recantos do planeta. E ser esdrúxula com convicção.


Elsa Bettencourt

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