Décimo sétimo dia do quarto mês de dois mil e vinte e um. Quando começo o dia neste lugar com além no nome é maior a sensação de lembrança do que a de esquecimento. Na dúvida tenho bordões, canas e paus, espalhados pela terra, e a copa das árvores a indicar-me o caminho. Não deixo migalhas porque nunca regresso pelo mesmo trajeto, sei que são petiscos para as asas que nidificam nesta micro amazónia, e porque gosto de me perder, seguindo rumos que só a alma desconfia. A vida ensina que é a melhor forma de nos encontrarmos. Esta vivência em nada me é estranha. O conforto é o essencial para não habituar o traseiro ao comodismo, a atenção não se perde dentro da caixa das notícias. e os auscultadores jamais tiveram lugar em nenhum dos meus ouvidos.
Se tenho saudades do Tejo, voo em pensamento até ele. Agarro nas imagens que tenho dele e, como a um amor há muito longe dos meus braços, deixo que o coração vagueie até à foz que o trará a mim. Até que nos encontremos outra vez é o mantra desta caminhada. Não vai ser agora que vou encarnar a saudosista, não agora que estou exatamente onde sempre suspirei para estar. Não por um homem lindo, nem pela mais bela caneta de aparo, nem por mil pedras preciosas. Aqui mesmo neste silêncio, manso como a superfície do lago Annecy, suave como a esteira duma canoa no Rio Negro. Dou por mim a dar meia volta ao planeta até voltar ao Bugio. E afinal já dei tanta sem nunca ter ficado tonta. Não mais do que antes, talvez menos do que depois. E como um pássaro, desses que seguem rotas geneticamente traçadas, pairo e plano até este cais de lava firme. De vez em quando dou um ar de graça pelo burgo, abraço com a força de antigamente as almas tão confinadas como a minha e, sem combinações prévias, encontramo-nos a pasmar para o mesmo pôr do sol, para o mesmo rebate de luz, para as pequenas flores que despontam tão cheias de primavera. O meu rádio de pilhas desliga-se sempre à hora certa. As notícias chegam-me por quem eu deixo. Censuro as minhas leituras como quem cata gorgulho num alguidar de milho. É a única forma de me ajudar e à farinha que dará melhor pão. É tudo farinha do mesmo saco.
De resto, com a lembrança em meia dúzia de projetos, e com outros tantos já bem consolidados, cuido de cada momento como às sementes que acabaram de me chegar, com carinho e cuidados, sejam bons ou maus. Porque sim.
Elsa Bettencourt
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