sexta-feira, 13 de maio de 2016

A MÃE DE ELISA



A minha mãe já chegou? Então esteja com atenção porque ela vem – me buscar. Sei porque me disse e quando diz, faz. Tal como quando fizemos a peça de  Natal e ela teve o acidente de carro, apareceu quase à hora do jantar mas apareceu.

Eu sou a Elisa e fiz a chuva

Já a escola se vestia de trajes de noite, uma roupagem que eu desconhecia, o pátio vazio e azul de noite, sem meninos, as portas fechadas, os pais e os professores a saírem uns a seguir aos outros.
Mas eu não tive medo. Sabia que ela vinha… a minha mãe. Porque se ela disse que vinha, não falhava. A minha mãe não promete à toa e sabe perfeitamente que se me prometesse alguma coisa que depois não conseguisse fazer eu iria ficar muito triste

Eu sou a Elisa e fiz a chuva

E apareceu triste com um enorme penso do lado direito da testa, e chorou por não ter visto a peça de teatro da escola em que eu fazia de chuva, e chorámos mas ficámos felizes logo a seguir porque estávamos ali as duas e o pátio deserto de meninos não nos metia medo nenhum

A minha mãe vem me buscar porque disse que vinha. Pouco me importa que me digam que tenho oitenta e três anos e que moro neste lugar e com estas pessoas que tenho dificuldade em reconhecer todas as manhãs

A minha mãe já chegou? Então esteja com atenção quando ela vier e vá logo chamar-me
Ela chega sempre mesmo que venha atrasada. Quando acabei a Faculdade (não me lembro que curso era mas lembro-me da cara de alegria dela), quando tive os filhos, quando fiquei viúva…a minha mãe chegava sempre embalada pelo sorriso, pronta para me abraçar. Mesmo quando não quero comer as mistelas que vocês me dão, mesmo fechando a boca ou cuspindo tudo para o chão, tenho a certeza que se a fossem chamar nada disto aconteceria.

Porque ela tinha sempre um truque novo debaixo da manga que me fazia ficar tranquila, uma frase que me acalmava (não estas porcarias às cores que me fazem engolir ao lanche), uma paciência sábia que me explicava que nada era o fim do mundo mesmo quando tudo parecia perdido.
Nada era uma catástrofe ou um problema qualquer que não tivesse solução 

A minha mãe deve estar quase a chegar, tenho a certeza. Disse que vinha pouco antes de já não me conseguir levantar da cama. Acenou devagar e sorriu. E por isso quando vier não quero perder tempo. Quero-me levantar daqui de uma vez, dar-lhe a  mão e sair para a rua como duas nuvens de chuva que se deixam orientar pelo vento a caminho de casa.

Por isso não tenho medo

Eu sei que ela vem...


Artur  

2 comentários:

Clarice disse...

O amor incondicional é o amor incondicional… que ajuda a suportar tudo. Até o fim. Até a espera do fim. E tu escreveste isso muito bem, Artur.

Artur Guilherme Carvalho disse...

Obrigado Clarice. Bem vinda de volta a esta casa.