Antes de mais nada há uma imagem
tranquila de eternidade a fazer as apresentações. Um barqueiro em mangas de
camisa orienta a sua barca sobre uma superfície feita de nuvens em direcção ao
fim do dia. Seguem-se registos de som quase exclusivamente ambiental, onde os
instrumentos se limitam a conduzir as emoções muito suavemente. Este é The Endless River , o décimo quinto e
último álbum dos Pink Floyd, uma despedida sincera que vem encerrar cinco
décadas de carreira. Baseado em trabalho extraído à partida do último álbum (duas
dezenas de horas de gravações não aproveitadas nas sessões de Division Bell (94)), Endless River (2014) está todo ele preenchido com a presença
de Richard Wright, falecido em 2008 vítima de cancro. Guy Pratt é o músico contratado
responsável pelo baixo enquanto que as letras ficaram a cargo de Polly Samson,
mulher de Gilmour. Só uma faixa é cantada (“Louder Than Words”) ao longo de todo este
trabalho de despedida, disperso, ocasionalmente a fazer o balanço de algumas
partes de uma obra que se estendeu por cinco décadas. Nada de novo na concepção
que não tenhamos já visto em trabalhos anteriores. Partindo das pontas que
ficaram soltas no trabalho anterior e trabalhando o legado de Wright vão
compondo novos temas. Tal como Wish You Were
Here foi feito sem Barrett mas acusando a sua influência e Division Bell trabalhava as escolhas de
Waters deixadas nos trabalhos de The Wall
. Se por um lado a maioria dos novos originais acabam por ser as revisões
do trabalho anterior e o seu respectivo desenvolvimento, uma grande parte das
obras da banda são homenagens aos seus elementos entretanto afastados. Uma
constante de elegia dos ausentes e elipse de regresso aos passos anteriores
fazem do método dos Pink Floyd uma curiosa e original imagem de marca.
De facto, quando no início o
reportório era curto a banda escolheu alargar a duração das músicas para
cumprir o tempo de permanência em palco, para compensar os poucos ensaios que
faziam improvisavam, usavam efeitos especiais desenvolvendo cada vez mais
sofisticadas produções para os seus espectáculos. Com um horizonte criativo à
sua frente muito mais vasto do que apenas a música, combinavam-se várias artes
que complementavam os seus trabalhos. Em muitas dessas combinações acabaram por
nascer fenómenos que ainda hoje complementam a indústria discográfica tal como
o conceito de videoclip. Ao longo da audição de Endless River não conseguiremos revisitar toda a vasta obra dos
Pink Floyd mas muitas serão as etapas dela para onde seremos transportados. Na
faixa “It’s What We Do” revemos “Welcome to The Machine” do album Wish You Were Here , em “Sum”
encontramos uma versão mais ligeira de “One of These Days” do álbum Meddle, e por fim, a entrada de
“Anisina” parece por um breve instante que vamos ouvir “Us And Them” de Dark Side Of The Moon.
Não sendo o melhor trabalho de
sempre é sem dúvida a mais bem acabada forma de a banda se despedir e
estabelecer o fim do seu ciclo aos milhões de fãs em todo o mundo. Tudo termina
e os Pink Floyd não podiam ser excepção. O seu legado ficará nos anais da
História da Música como um dos fenómenos mais importantes registados no seu
tempo. Serão talvez no futuro escutados e idolatrados como os compositores
clássicos o foram no passado, adquirindo esse estatuto. A mim deixam-me um mapa
temporal onde consigo encontrar e relembrar pontos do meu caminho o que não
deixa de ser um registo de breve nostalgia melancólica. Continuarei a ouvir e a
recordar estes clássicos até eu próprio me meter na barca e navegar sobre um rio
de nuvens na direcção do fim do dia.
Artur
1 comentário:
Enviar um comentário