Amanhã tenho de ir com a minha mãe a um consultório que fica na 'zona nobre de Lisboa' e o meu carro é de 12/2000.
Para quem não saiba, esta é aquela área à volta da Avenida da Liberdade que se estende até à baixa. Parece que aqui as aparências contam. Nesta sala de visitas só se podem ver coisas novas e bonitas, não havendo espaço ás velhas ou usadas.
Tudo o que são veículos anteriores a 2000, não terão ali cabidela. Pouco importa se estão estimadas pelos donos, se fazem as revisões quando chega o tempo delas, se passaram no dia anterior na imprescindível inspecção anual que atesta o seu bom e regular funcionamento. Não podem por ali andar e pronto.
Dizem que isto é em nome da saúde dos lisboetas e de quem por ali circula.
O meu carro, comprado novo fez 14 anos nos últimos dias de Dezembro passado, passou na inspecção com distinção, conforme o selo que orgulhosamente exibe no canto do pára-brisas. Mas não pode entrar nesta área. Parece que os veículos anteriores a 2000 são mais poluidores que os de Janeiro de 2001, embora os modelos sejam exactamente iguais. Os fumos que libertam são mais tóxicos e nefastos. Será só nesta área porque se for na rua imediatamente ao lado, mesmo que a brisa os paire para lá, são por artes e magias, purificados. Pelos vistos, todos os gases de escape dos milhares de veículos que circulam em Lisboa diariamente, não chegam a esta área privilegiada, mesmo que haja uma simples arajenzita, uma ventosga de proporções bíblicas, ou uma nortada de descobrir carecas.
E careca está à partida esta medida aberrante, porque não só não resolve o problema da poluição provocada pelo uso de combustíveis fósseis, como se revela uma pura hipocrisia.
Se quem defende esta implementação e a pôs a vigorar, quiser realmente resolver o problema da poluição provocada pela circulação automóvel em Lisboa, terá de criar um sistema de transportes públicos movidos a energia não poluente, eficiente e prático, como os que existem nas grandes metrópoles europeias.
Actualmente há tecnologia que já permite a substituição do petróleo em quase todas as áreas, se não todas, onde é usado. Porque é que não se avança para novas soluções que efectivamente poderiam tornar este planeta um local mais saudável para viver?... A economia mundial sentou-se nesta viscosidade da qual será muito difícil sair. Cada vez que se ventila uma nova solução, ao levantá-la, escorrega-se e cai-se com estardalhaço na poça de ouro negro. O lobbie é poderosíssimo.
Quais são os países que são os principais produtores de veículos? Vejamos: VW, BMW, Mercedes, Audi, Mini (caramba, só me vêm marcas alemãs à cabeça!). Bem, se para além da trapacice da história da preservação da qualidade do ar me puser a pensar que estou a ser forçado a comprar um carro novo, ou pelo menos mais recente, a coisa fica mais aclarada. Isso e o bom aspecto, a boa aparência que um país de vanguarda deve apresentar a quem nos visita, escondendo debaixo do tapete ou atrás de ruas mais recônditas, o que não se quer que seja visto.
Pois sim, mas como eu não vivo de aparências e cada vez que eu penso mudar de carro, vou ver o que dou ao estado em impostos para serem desbaratados em imbecilidades, passa-me logo a frescura.
Mas o que me chateia mesmo a sério, é não poder levar à zona nobre no meu carro devidamente inspeccionado, um amigo meu que gosta de andar de cabeça ao vento.
E a minha mãe também não.
Deixem-se de merdas.
Hélder