domingo, 24 de novembro de 2013

O DESAFIO E A VERTIGEM

O Verão chegava ao fim. Tinham sido as férias perfeitas. Na quinta da minha avó os lanches eram eternos entre risos e compotas, pão fresco cozido a lenha e os inevitáveis banhos no tanque ao fim da tarde. As noites embaladas no canto dos grilos e as intermináveis conversas com a minha tia sobre o mundo, sobre a vida que nos esperava, o assalto à dispensa à lata das bolachas com a minha prima. E, poucos dias antes de partir, o desafio, o objectivo inconfessado com o olhar demorado sobre aquela parede que se erguia sobranceira para cima do tanque. Seríamos capazes? O sorriso da minha tia confortava-me, o encolher de ombros da minha prima mais velha também. E fomos sem hesitar, pelo espaço em voo infinito de acabar, em vertigem de colar o estômago à boca terminada no choque térmico da entrada na água fria. As férias chegaram ao fim, o tempo foi-se instalando à medida que os mais velhos partiam. Veio a idade, o período, o trabalho, os filhos. Veio tudo o que era para vir, em grande parte já anunciado pela minha tia. Hoje apoio-me na bengala ao fim da tarde e digo aos meus filhos, aviso os meus netos, explico que não devem saltar dali, que pode ser perigoso. Mas ninguém me leva a sério. E eu também não me importo. Perigoso é o que vem depois do salto, depois de conquistada a vertigem. Perigosa é essa aventura a que chamam Vida. Aquela que deixa o tempo instalar-se enquanto vai dizendo aos mais velhos para se irem embora. Artur

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