quarta-feira, 13 de novembro de 2013

ESTAÇÃO DE VÁRIOS TEMPOS

Confortavelmente e sem pressas o Outono vai-se instalando no seu tempo de acontecer. A humidade reforça a pujança verde da relva, as árvores exibem orgulhosas o seu novo vestido de tons que vão variando do castanho até ao dourado, enquanto o abraço do frio ainda se mantém nos limites do suportável. As cegonhas devem estar por esta altura a chegar á sua nova casa enquanto que, mais teimosos e mais resistentes, os pardais insistem em ficar. Enquanto percorro o caminho até à escola do meu sobrinho mais novo vejo o fim de tarde outonal embalado por este Sol mais tímido mas que produz uma luz muito mais nítida, uma luz que nos permite observar todos os recantos como quem usa uns óculos novos ao fim de algum tempo a ver desfocado. Esta é uma época, pelo menos para mim, de meditação por excelência. Como se o tempo se decidisse suspender e a mente ficasse horas e horas a levitar sem pressas, sem depois, sem amanhã. Na paz dos dias de Outono consegue-se ver o passado como um filme e misturar todas as cenas porque este é a única altura em que isso consegue fazer sentido. Á porta da minha escola o homem que vendia gelados no Verão, trocava o carrinho branco e colorido com duas sinetas na ponta por um parecido com uma pequena locomotiva de duas chaminés, um eixo de rodas e uma lista telefónica pendurada. Nesta época do ano era o cheiro das castanhas assadas que nos recebia no fim das aulas através do fumo da locomotiva. Se passássemos pelos arredores da igreja era possível ouvir o coro a ensaiar as canções do Natal. A maioria dos miúdos desesperava com a sua chegada. Eu não. Eu achava muito mais interessante aquele período de tempo em que ainda não está muito frio, de cores únicas a salpicar a paisagem, em que se adivinham coisas que ainda não chegaram, as castanhas embrulhadas em folhas de uma lista telefónica, a teimosia dos pardais. Eu preferia viver naquela paz e sossego em que o tempo parecia parar por uns dias. Por momentos a harmonia fechava as tardes. Por momentos parecia que a perfeição conseguia existir. O dia vai-se fechando mais rápido, a Lua mostra-se antes da escuridão ser total. Como uma senhora bem-educada cumprimenta-nos. Responde sempre com exactidão à pergunta de: “Como está?” Neste momento diz-me que caminha para Lua Cheia. Ficamos ali por uns instantes sentados no banco do jardim a comer castanhas e a conversar em silêncio com as imagens que nos cercam. Os pardais, um casal de melros de longa data, um senhor apoiado numa bengala a passear dois cães. Ficamos ali sentados a perceber mais uma vez que começamos a viver muito antes de pensar, de ler a realidade. Vive-se e pronto, o resto não interessa. Como se todo aquele espaço que nos cerca fosse ele mesmo um só Ser. A Lua, os pardais, o homem que passeia os cães apoiado numa bengala, ao longe um coro gregoriano de ensaio para o Natal. Não nos interessa o que vai acontecer, apenas as memórias de vários tempos que dançam à volta de uma fogueira de S. Martinho. Memórias que respiram por si enquanto tecem o tapete da História. A história de uns e de outros, as existências que, cruzando-se em silêncio sabem que fazem parte de um único ser, de uma única realidade. Por mim ficava sempre aqui, neste banco de jardim a comer castanhas, neste tempo que parece parado, nesta mesa de jantar em que as memórias falam umas com as outras. Por mim chegava perceber que antes da realidade, da Natureza e do passar dos tempos, antes de tudo e mais alguma coisa já eu vivia, sabia viver sem saber mais nada. Antes que chegue o Natal e os dias frios vou ficando por aqui perto da escola do meu sobrinho a relembrar a minha escola. Perto de um vendedor de castanhas e de um jardim onde as árvores, os pássaros, as pessoas… Vou ficar aqui neste lugar, nesta estação de vários tempos onde, por vezes ao fim da tarde tudo parece fazer sentido. Artur

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