ESPECULAÇÕES
Lisboa, 12 de Dezembro
de 1918
Meu caro amigo
Ernesto:
Não avistei a pessoa
que me preocupa, espero que o encontro será no dia 14, e oxalá possa eu prestar
com o meu sacrifício o fim que tantas almas anseiam. Hoje falei com o dr.
Magalhães Lima, ele está muito doente receio muito pela sua vida que tão
preciosa é a esta nossa tão amada terra. Não me foi possível falar-lhe no mesmo
assunto, nem talvez tenha já tempo de o fazer. Deixá-lo depois que façam o que
o seu sentimento patriótico lhes designar. Não é tão fácil como me pareceu, a
minha Missão, mas com um pouco de arrojo posso consegui-lo. Levo do lado do
coração envolto na nossa bandeira a estrofe que te faço cópia. Mandei tirar
fotografias grandes no Grandella, não tenho tempo de te enviar uma por isso te
recomendo que requisites depois alguma para ofereceres aos nossos camaradas de
ideias. Não tenho ninguém comprometido no meu gesto, só eu! Abraça-te o teu
amigo
José Júlio da Costa.
Sidónio Pais, o Presidente-Rei,
era visto pela esquerda radical como o ditador cuja acção era a fonte de
opressão das classes trabalhadoras e como o traidor que abandonara à sua sorte
o Corpo Expedicionário Português que combatera nas trincheiras da I Guerra
Mundial, seguindo as suas convicções e simpatias germanófilas. José Júlio da
Costa dirigiu-se a Lisboa no intuito de vingar os seus conterrâneos do Vale de
Santiago eliminando o Presidente da República. A acção foi cuidadosamente
preparada como a sua carta escrita a 12 de Dezembro de 1918 bem o indicia.
Para além da parte em que dá Júlio da Costa como um louco e
que, como já tivemos ocasião de ver, pouca ou nenhuma substância encerra, desde
aquela época que circulam teses que apontam para o envolvimento da Maçonaria na
preparação do atentado. Embora atravessando um período de forte perseguição por
parte dos circuitos mais conservadores, aquilo que se sabe é que José Júlio da
Costa tinha uma grande admiração e simpatia pelo grão-mestre da época,
Sebastião de Magalhães Lima. Por outro lado, o próprio Sidónio Pais tinha
pertencido à Maçonaria, reforçando-se aqui uma vingança sobre um renegado da
organização. Outro dado relevante é o dos tempos políticos que então se viviam.
Dias antes da sua
morte Sidónio Pais tinha escapado a outro atentado. Em 5 de Dezembro, na altura
da imposição de uma condecoração aos marinheiros do NRP Augusto de Castilho. Os apoiantes do sidonismo rapidamente
imputaram a autoria do atentado falhado à Maçonaria, organização fulcral na
construção da república e dos seus ideais, ideais esses agora traídos e
reprimidos pelo novo presidente. No dia seguinte a sede do Grande Oriente
Lusitano Unido foi invadida e saqueada.
José Júlio da Costa não era exactamente um louco que
executou um acto casual. Era um homem determinado, que planeou e concretizou um
objectivo determinado. A sua admiração pelo Grão Mestre da Maçonaria não
implica nem que a organização estivesse por trás da sua acção nem sequer que
José Júlio da Costa fosse maçon. Até porque na época dificilmente um militar de
baixa patente poderia figurar nas fileiras de uma organização tradicionalmente
elitista e urbana. A Carbonária seria provavelmente uma organização onde o seu
perfil melhor se conseguiria encaixar.
Mas tudo indica, como se lê na carta escrita pelo seu
próprio punho, que a decisão de executar o presidente de república foi uma
escolha e uma opção exclusivamente individual. Uma vingança sobre a falta de
palavra das autoridades, um acto desesperado de salvação dos valores
democráticos e republicanos, um sacrifício em nome de um povo e de uma pátria.
Infelizmente nunca saberemos o fim desta história. José
Júlio da Costa morreu em 1946 com 52 anos no Hospital Miguel Bombarda sem nunca
ter sido julgado.
Artur
4 comentários:
Será um assassino um monstro, ou alguém a quem a sua própria sensibilidade o impele a sacrificar-se em nome da sociedade, por aquilo que julga ser um bem maior?
Se fosse um fanático religioso seria um mártir.
Boa série de textos, Artur.
Obrigado António.
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