sexta-feira, 24 de maio de 2013

HABEMUS PAPAM



Nanni Moretti

 

Itália/França, 2011

 

Introduzidos pela solenidade dentro das cerimónias e rituais que estruturam a morte de um Papa e que levam ao conclave dos cardeais para a eleição de um sucessor no cargo, toda a normalidade formal termina e toda a humanidade escondida se revela. Começando com a falha de energia, que não pode ser comunicada para o exterior por todos se encontrarem na Capela de Sistina obrigatoriamente proibidos de contacto com o mundo e que leva um dos cardeais a dar uma queda monumental, passando pelas vozes da cada um em OFF que rezam a Deus para que não os escolham até à reacção inesperada do feliz eleito, tudo o que é imprevisível acontece. Com alguma inocência mas também com bastante ironia, Moretti propõe-nos uma visita guiada a um dos segredos mais bem guardados da Humanidade, o Vaticano e as movimentações internas de um conclave para eleger um novo sucessor de S. Pedro. Melville, o cardeal eleito à segunda volta, é cumprimentado por todos os seus pares antes de lhe serem impostos os novos paramentos. Lá fora os fiéis, a comunicação e o mundo em geral aguardam em expectativa para vislumbrar o rosto do novo Papa, agora que o fumo branco finalmente se libertou da chaminé mais mediática do dia. Mas Melville, imediatamente antes de se assomar à varanda do Vaticano e cumprir a sua primeira obrigação enquanto Papa para o mundo é acometido de um ataque de pânico e não consegue fazê-lo. O mundo inteiro suspende então a respiração à espera de algo que devia acontecer mas nunca mais acontece. Incapaz de convencer Melville de que é o homem certo para o lugar, a cúria dos cardeais procura um reputado psicanalista para os ajudar. E quando os problemas parecem começar a resolver-se, antes aumentam com graves prejuízos para a imagem do Vaticano e da igreja católica em geral. O psicanalista é bloqueado logo à partida numa série de questões. Entretanto, iludindo a vigilância da sua segurança, o novo Papa foge e perde-se durante três dias misturado com os mortais. O mundo e os cardeais pensam que se retirou para rezara antes de assumir as novas funções. Na rua, consulta outra psicanalista e, confrontado com a pergunta sobre qual é a sua actividade, mente, dizendo-se actor de teatro. Entretanto o mundo continua a aguardar cada vez mais impaciente. As desculpas dadas à comunicação social são cada vez mais frágeis. Dentro do Vaticano ninguém sai enquanto o novo Papa não for proclamado no exterior. Para passar o tempo o reputado psicanalista decide propor um campeonato de volley distribuindo as equipas por continentes. Assim, enquanto o Papa não se retira da sua meditação animam-se as hostes e faz-se um pouco de desporto. Por fim tudo se normaliza e o Papa chega à varanda para gáudio dos fiéis e do mundo. Mas apenas para anunciar que não se sente capaz de desempenhar as funções e que se retira.

Mais do que uma sátira ou sequer de uma ingénua visão humanizada de homens que supostamente se encontram em patamares da existência muito longe do comum dos mortais, o que o filme retrata é a simples questão da recusa do poder numa época em que todos o perseguem.

Datado de 2011, alguns meses depois o Papa Bento XVI renunciava ao cargo e no seu lugar viria a ser eleito o Papa Francisco. Não sendo uma situação inédita na história dos papas não deixou de ser muito rara quase nunca vista. Confrontado com esta situação ter acontecido pouco depois do filme HABEMUS PAPAM ter sido realizado, Moretti respondeu: “Há momentos em que a ficção ultrapassa a realidade. Este foi um deles.”

 

Artur

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